domingo, 10 de julho de 2016

É possível uma escola (ensino) sem partido?

A partir da participação do colega historiador Leandro Karnal no último "Roda Viva", exibido em 04/07/2016, foi elencado um debate sobre a possibilidade ou impossibilidade de uma "Escola sem Partido", projeto que eu particularmente desconheço. Karnal posicionou-se extremamente contrário ao projeto, desafiando todos nós a apresentarmos uma aula, especialmente uma aula de História (que no particular é o meu ganha-pão) onde não estivesse presente algum componente político.

O filósofo Paulo Ghiraldelli Jr., conhecido youtuber, rechaçou a argumentação de Karnal rememorando os exemplos culturalistas, especialmente os franceses da revista Annales, e até mesmo quando do trato com a história da ciência, etc.

Esta é uma questão polêmica. Toda aula de história tem algum componente político?

Corremos um sério risco, reduzindo a ciência histórica como parte de um fenômeno, seja político, cultural, narrativo.

Entendo que para desnudarmos adequadamente a questão devemos lembrar, sempre, onde afinal acontecem as aulas de História. Claro, no ambiente escolar. E sob duas características preponderantes: na modalidade da educação básica, e em escolas da rede pública de ensino.

E aqui está, no meu entendimento, a chave do "castelo" para responder se é possível ou não uma "escola sem partido" - ensinamos, eu, praticamente todos os professores brasileiros (mesmo que em algum momento da carreira docente) numa escola pública, que dados indicam reunir mais de 80% dos estudantes do país.

A escola pública é, essencialmente, parte componente do Estado, enquanto instituição, seja em níveis municipal, estadual ou federal. E se é parte do Estado, se mantém vínculos estruturais e institucionais com aquilo que politicamente definimos como Estado, logo, ela é parte do "poder".

E por esta qualidade, intrínseca ao Estado, a escola pode até pretender ser "sem partido", mas ela concretamente não o será, porque a educação não ocorre fora de uma estrutura social, ampla, e enraizada no poder, nas instituições.

A discussão vem à luz, nos dias que vivemos no Brasil, em face a uma espécie de luta contra a esquerda, que estaria se utilizando da cultura, e aqui inserida a escola, para doutrinar gerações de modo a perpetuar grupos no poder (vide os anos Lula-Dilma). E assim, se justificaria uma vigilância ou reorientação ideológica nas escolas, de maneira a torná-la sem partido. Mas, como isso é possível se a escola é ligada ao MEC, às secretarias de municípios e estados, recebe investimentos internacionais como do Bird, é organizada segundo interesses e visões de partidos e grupos de intelectuais ligados a partidos, que sustentam programas de governos de prefeitos, governadores, etc.

Caso a educação fosse um componente pessoal, do núcleo familiar preparando os seus jovens, talvez poderíamos pensar numa escola apolítica. Porém, a escola é serviço social, organizada numa rede, num sistema, que foram estruturados muito mais por burocratas do que por educadores. E aqui, como descartar a existência do componente político, mesmo se em sala de aula você está ensinando os hábitos culturais dos povos ameríndios pré-colombianos? Quem definiu que você deve ensinar isso? E quando? E por quanto tempo? E que informações passar? Como avaliar se os alunos aprenderam? Quais os sentidos de se aprender isso, para a realidade vivida pelos seus alunos?

Mesmo com toda a abordagem culturalista, marcante na historiografia das últimas décadas, o ensino é uma prática, sine qua non, política.


3 comentários:

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  3. Olá, professor,
    Considerando as colocações contidas em seu belo texto, tenho a dizer apenas que a escola, do ponto de vista social, adota um modelo ultrapassado que precisa ser rediscutido, enquanto meio para formar, ou seria "formatar" pessoas dentro de um sistema onde quem detém a hegemonia do poder estatal também detém o direito de estabelecer normas as quais obrigatoriamente devem ser ensinadas ou impostas aos alunos pelos seus professores. Dentro dessa realidade, não podemos esquecer que muitos professores são partidarizados e formados dentro dessa estrutura secular de ensino exatamente para implantar e perpetuar essa mesma filosofia e conduta mentirosa no interesse do estado. O que se questiona é o seguinte: Será que os professores não estão sendo omissos enquanto parte importante e fundamental dentro do processo de transformação social? Será que os alunos não são pessoas dotadas de capacidade intelectual o suficiente para conviver com a verdade? será que não estamos tratando os alunos como meros depósitos de uma realidade enganosa, falsa, apenas para garantir nossos empregos ou por pura covardia, para que apenas um pequeno grupo de privilegiados conheçam a verdade sobre os fatos e disso tenham maiores vantagens sobre os seus concorrentes e opositores?
    Em tudo isso, enxergo a imposição do poder como uma estrutura piramidal, onde quem está no topo determinada as ordens conforme os seus interesses ou os interesses de seus aliados., assim, uma cadeia é formada, de maneira verticalizada. Contudo, até que esse comando alcance suas finalidades que, entre outras, é chegar até aos aprendizes que fazem parte da base dessa pirâmide, muita coisa pode ser feita.
    O que questiono é a razão, os motivos que levam os professores a manter uma estrutura mentirosa, sabendo que está colaborando com um sistema injusto, cruel e fomentador da violência em todos os seus aspectos sociais? Por que não unir forças e lutar por uma escola independente que tenha a fiscalização de uma Agência Reguladora e por toda a sociedade? Por que não se criar grupos de educadores multipartidários, escolhidos de maneira democrática, a fim de que se possa definir uma grade curricular em consonância com as famílias e com as boas práticas que se espera de um bom cidadão e de uma boa convivência entre as pessoas, dentro de uma sociedade moderna, a fim de que tudo possa ser aprendido ali e praticado no dia a dia, fora dos muros escolares, independente de quem esteja no exercício do poder?
    Tudo isso reforça a minha tese de que precisamos transformar a cultura educacional para a formação de cidadãos pensantes e não pessoas dominadas por uma retórica falsa que os faz acreditar que tudo o que acontece é culpa de suas limitações intelectuais ou até do seu destino determinado por forças ocultas que previamente estabeleceram a sua condição de inferioridade social como parte das classes menos favorecidas ao longo de toda a nossa

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