terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Deus está morto? Também...


Uma das frases mais polêmicas e autênticas da história da filosofia é proferida por Friedrich Nietzsche em Assim falou Zaratustra “Deus está morto”.

A primeira coisa que se passa na cabeça do leitor é que o deus cristão estaria morto, materialmente morto ou mesmo inexistente. Mas poucos atentam para os sentidos múltiplos da palavra “Deus” nesta frase e no próprio pensamento nietzschiano.

Deus é o deus cristão, sim. Mas é mais que isso. Deus é a síntese de um fenômeno do pensamento humano, histórico inclusive: a Metafísica. Deus representa assim tudo àquilo que é essencialmente metafísico no pensamento humano, tudo que é construção imaginativa, tudo que ousa explicar a partir do desconhecido, daquilo que supostamente estaria além de nossas percepções ou análises mais simples.

E o que nos diz a história da filosofia, em especial a filosofia alemã na época em que Nietzsche vivera? De predomínio do pensamento metafísico, muitas vezes dotado de um romantismo característico do século XIX – a isso nós historiadores chamamos de “romantismo alemão” ou “idealismo alemão”; tradição iniciada anteriormente no século XVIII por Immanuel Kant[1], depois levada adiante nos oitocentos por pensadores como Fichte[2], Schelling[3], Schlegel[4], Schopenhauer[5], e em especial Hegel[6].

E quais as correntes de pensamento, dentro da Alemanha, irão se sobrepor, se rebelar contra a tradicional filosofia metafísica: o existencialismo (que não se resume a Sartre no século XX) e o materialismo. Mas onde Nietzsche se insere nisso? Oras, no primeiro grupo, dos existencialistas. E por fim, os representantes do materialismo alemão oitocentista: Feuerbach, e claro, a dupla dinâmica Marx-Engels (inicialmente partícipes do grupo conhecido como esquerda hegeliana ou neo-hegelianos, que acabaram por romper com a filosofia de Hegel).

Assim “Deus está morto” deve ter uma outra leitura: a Metafísica está morta! Tudo que era especulativo, imaginativo, que buscava dar explicações a partir do vazio, já não vale mais para o novo mundo que estava por ser gerado no século XIX e que vai desaguar no século XX, XXI, onde a metafísica é semelhante a histórias infantis – vindo à tona um mundo técnico, crítico, racionalizante, onde não há (e não cabe) mais essencialismos.

Se Deus morreu, se a Metafísica morreu, para compreender o mundo, das coisas, da natureza, dos homens, é necessário racionalizar, instrumentalizar, experimentar, e não simplesmente esperar a boa vontade e a ação de entidades que estariam além de nossa percepção.


[1] Immanuel Kant ou Emanuel Kant (Königsberg, 22 de abril de 1724 — Königsberg, 12 de fevereiro de 1804) foi um filósofo alemão, geralmente considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna. Principais obras: Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática, Fundamentação da Metafísica dos Costumes.

[2] Johann Gottlieb Fichte (Rammenau, Saxônia, 19 de maio de 1762 — Berlim, 27 de janeiro de 1814) foi um filósofo alemão. Principal obra: Discursos à Nação Alemã.

[3] Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (Leonberg, 27 de Janeiro de 1775 — Bad Ragaz, 20 de Agosto de 1854) foi um filósofo alemão. Principais obras: Sistema do Idealismo Transcendental, Investigações Filosóficas sobre a Essência da Liberdade Humana, Sobre o Eu Como Princípio da Filosofia ou sobre o Incondicionado no Saber Humano.

[4] August Wilhelm von Schlegel (8 de Setembro de 1767 — 12 de Maio de 1845),poeta alemão, tradutor e crítico, nasceu em Hannover, onde seu pai, Johann Adolf Schlegel (1721-1793), foi um pastor luterano. Ele foi educado no Hannover Gymnasium e na Universidade de Göttingen. Com seu irmão Friedrich, o principal filósofo do romantismo alemão, fundou a Athenaeum (1798-1800), a revista chefe do movimento.

[5] Arthur Schopenhauer (Danzig, 22 de Fevereiro 1788 — Frankfurt, 21 de Setembro 1860) foi um filósofo alemão do século XIX da corrente irracionalista. Sua obra principal é O mundo como vontade e representação, embora o seu livro Parerga e Paralipomena (1851) seja o mais conhecido. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. Ficou conhecido por seu pessimismo e entendia o Budismo como uma confirmação dessa visão.

[6] Georg Wilhelm Friedrich Hegel (Stuttgart, 27 de agosto de 1770 — Berlim, 14 de novembro de 1831) foi um filósofo alemão. Recebeu sua formação no Tübinger Stift (seminário da Igreja Protestante em Württemberg).
Era fascinado pelas obras de Spinoza, Kant e Rousseau, assim como pela Revolução Francesa. Muitos consideram que Hegel representa o ápice do idealismo alemão do século XIX, que teve impacto profundo no materialismo histórico de Karl Marx.

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