terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Análise sobre "Disparada" de Vandré

Como já fizera em postagem anterior com a canção “Starway to Heaven” da banda Led Zeppelin desta vez apresentarei as minhas impressões sobre a canção nacional “Disparada” de Geraldo Vandré, permanecendo na lógica anterior de metalinguagem/inter-texto/sub-textual.

Para tanto juntamente com a letra da canção abaixo farei inserções de comentários, todos em itálico.

Disparada
Geraldo Vandré
Composição: Geraldo Vandré e Theo de Barros

Prepare o seu coração
Prás coisas
Que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar...

Aprendi a dizer não
Ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo
A morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar
Eu vivo prá consertar...

Prof. Menta: tudo fora do lugar pode ser entendido como a sociedade vivente ou mesmo a realidade objetiva da vida. Vale lembrar que Geraldo compõe em meio a uma situação de convulsão social e política em nosso país, as voltas com uma Ditadura Militar; viver para consertar pode ser compreendido sob dois prismas – ser “pau para toda obra”, trabalhador braçal mesmo, ou então ser alguém com alguma consciência (para si) e sabedor das mazelas em torno sempre se dispõe a mudar o mundo.

Na boiada já fui boi
Mas um dia me montei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse
Porém por necessidade
Do dono de uma boiada
Cujo vaqueiro morreu...

Prof. Menta: a boiada é uma metáfora para o grosso da população, o povo ou populacho mesmo (a maioria das pessoas). E montar-se seria assumir definitivamente a condição, marginal, de Ser-boi (mais um no extenso rebanho que compõe o tecido social).

Boiadeiro muito tempo
Laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente
Pela vida segurei
Seguia como num sonho
E boiadeiro era um rei...

Prof. Menta: o boiadeiro vira rei quando sai da sua condição de “Ser-boi”, tomando as rédeas dos demais (como que no comando sobre os outros trabalhadores) a pedido de um fazendeiro; a princípio compreendo que o boiadeiro, assumindo novas responsabilidades, passa a adquirir uma nova posição dentro da boiada, vindo a ter, inicialmente, atitude similar a do fazendeiro (se sentir um rei).

Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos
Que fui sonhando
As visões se clareando
As visões se clareando
Até que um dia acordei...

Prof. Menta: aqui temos uma tomada de consciência, definitiva, por parte do boiadeiro, que de rei volta a se reconhecer como Ser-boi. E o acordar mostra isso perfeitamente (eu acordei para a realidade do mundo e para a minha realidade – a boiada e o Ser-boi).

Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente...

Prof. Menta: ruptura total com a ordem estabelecida! O boiadeiro, cônscio de sua condição existencial (dentro de uma sociedade de desprovidos e desigualdades), afirma que não pode mais ser um rei, aquilo ali não era ele. E a justificativa é simples e impactante: gente é gente, é ser humano (ele clama por sua humanidade, por sua condição de sujeito) e não gado (que a gente tange, ferra, engorda e mata – como o fazendeiro faz com seus trabalhadores, ou em sentido macro-cósmico como a burguesia global faz com a massa de trabalhadores).

Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto prá enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar

Na boiada já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu
Querer ir mais longe
Do que eu...

Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
Num reino que não tem rei

Prof. Menta: por fim o boiadeiro chega a uma conclusão final – de que ele só será forte, verdadeiramente forte, se estiver em um reino onde não há mais um rei (anarquia).

Tem outra visão sobre esta mesma canção? Coloque aqui o seu comentário e vamos dialogar.




14 comentários:

  1. Professor, meu querido mestre, vibro com suas palavras. Amo cantar, e interpretar. Quando terá outra canção? Raul Seixas me fascina!

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  2. Olá! Obrigado pelos adjetivos carinhosos...vez ou outra sempre jogo aqui uma música, uma canção marcante e que tem algo a nos dizer (fazendo os necessários comentários, abrindo diálogo colocando o meu ponto de vista).
    Abraços, prof. Tiago Menta.

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  3. Olá!
    Gostei muito da análise professor!
    Estou fazendo um trabalho de interxtualidade, e escolhi como tema a obra "Admirável mundo novo" de (Aldous Huxley),como vi que houve diversas adaptações acabei chegando no momento de relacionar "Admirável gado" novo ao "Disparada".Tem mesmo uma ligação não tem?

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  4. Professor, esta música fala de "Recrutamento"...
    E pelo seu currículo, no fundo, o senhor deve saber disso não é?

    Sabemos que situação e oposição, são apenas dois grandes atores...
    a serviço dos verdadeiros senhores...

    ditadura, comunismo, capitalismo, socialismo, deuismo, anarquismo, facismo, nazismo, todos remam pro mesmo lado, todos tocam o mesmo gado...

    De vez em quando um recrutado acorda, abre os olhos, se assusta...
    O que estou fazendo? Como posso fazer isto com a minha própria raça?

    E, temendo "O" dono da boiada, não pode falar abertamente, não pode expor seu arrependimento, alertar seus convivas...

    Ai, faz o que sabe, compõe, encena, quem sabe alguém entende? Captura a mensagem, pensa ele...

    E conquista um pouco de paz, por saber que tentou, o pouquinho que podia fazer, fez...?

    Ele diz que era boi, mas se montou (no lugar do vaqueiro que morreu) foi vivendo aquele sonho, todo feliz da sua posição, mas os olhos foram se abrindo, tudo foi ficando claro, até que entendeu o que estava fazendo, como inconscientemente ajudava a levar o gado (povo) ao matadouro (falo do matadouro final, espiritual) ai fica estarrecido, que é isto que estou fazendo? Não posso mais ser missionário desta causa, não posso mais "ser lugar tenente" deste rei...

    Então vai "falar" mas, se ninguém quiser escutar, não vai pedir desculpas, pois esta querendo fazer a coisa certa agora, esta querendo alertar...

    Mais, agora que ele já ta no "meio", ta montado, ta famoso, não quer mais sair de lá... Apenas vai (tentar) romper com os senhores ocultos deste mundo tenebroso (que não são os petistas, nem os republicanos...)e tentar continuar, "solito", contudo "ainda montado"...

    João Pedro de Jesus

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  5. Parabéns Professor, entendi melhor a letra, sou Frances e tive privilegia de encontrar e conversar com Geraldo Vandré. Obrigado Eric

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  6. Parabéns professor, estava necessitada dessa explicação, essa canção deixou marcas profundas na minha educação pessoal. Hoje compreendi melhor.
    Valeu!

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  7. Essa letra nada mais é que a história resumida de Jango.

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    1. Caro Carlos
      Encontrei sua resposta, pois estive fazendo a mesma ligação entra "Disparada" e Jango.
      Jango é vaqueiro que trabalha para o dono da boiada. Quem é o dono da boiada?...
      Um dia o autor se montou, já não era gado. Isso parece ser mais do que uma tomada de consciência, deixando de ser gado, parece ser algo relacionado a poder. Digo isso por ter assistido a entrevista de Geraldo Vandré
      https://www.youtube.com/watch?v=FByQWCMZY2s
      https://www.youtube.com/watch?v=p7wD7dGx5h0
      https://www.youtube.com/watch?v=C-5o2janCmg
      https://www.youtube.com/watch?v=48b9UBGu1XU
      Geraldo responde a uma pergunta dizendo que nunca fez música de protesto, porque quem protesta é aquele que não tem poder. Quando Geraldo Vandré "montou"? e montado e o sonho se clareando, mas um dia ele acordou...
      Vandré não faz música de protesto (isso é para quem não tem poder). Sai, então, aquele que havia se montado, até os dias de hoje.

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  8. Essa letra nada mais é que a história resumida de Jango.

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    1. Nada a ver, Jango nunca foi boi, sempre foi rei, fazendeiro, latifundiário. Essa é uma musica revolucionária, conclamando as massas para se conscientizarem de sua condição e passarem a ser agentes da mudança social para uma sociedade sem "reis", quer seriam representados pela burguesia.

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  9. 1- QUEM É O DONO DE GADO E GENTE?
    2- O QUE É SER BOI?
    3- O QUE SER BOIADEIRO?
    4- O QUE É SER CAVALEIRO?
    5- QUAL A DIFERENÇA ENTRE BOIADEIRO E CAVALEIRO?

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  10. 1- QUEM É O DONO DE GADO E GENTE?
    2- O QUE É SER BOI?
    3- O QUE SER BOIADEIRO?
    4- O QUE É SER CAVALEIRO?
    5- QUAL A DIFERENÇA ENTRE BOIADEIRO E CAVALEIRO?

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  11. Colega
    parabéns pela análise. Entretanto, discordo da última palavra. "Reino que não tem rei" se refere a um lugar de poder, mas não tem um poderoso único. Portanto, não é uma "anarquia", e sim uma Democracia!

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