sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O Eros Platônico e o Sexo Cristão

“Papai e mamãe” no escuro, mecanismo fisiológico criado tão somente para a reprodução humana, lavagem das genitálias com vinagre e orações pós-copula, tudo isso são manifestações típicas do que concebemos como “Sexo Cristão” ou mesmo atividade sexual cristianamente/moralmente aceita.

Qualquer indivíduo equilibrado logo percebe que estas são práticas que não somente disciplinam/dominalizam como discriminam toda prática sexual saudável (inclusos masturbação, fantasias sexuais, experienciações sexuais, prazeres sexuais como valor em si).

É de conhecimento geral que há uma relação de tensão, histórica, entre o Cristianismo e a sexualidade – e nunca é demais rememorar que milhares, em especial as mulheres, morreram sob as chamas e as espadas da intolerância quando acusados por práticas sexuais que não aquelas segundo o sexo cristão. Mas, aonde podemos encontrar a origem disso, de tamanha brutalidade contra a natureza humana? Na Bíblia, não! A resposta para esta questão está em outro lugar: a Grécia de Platão.

Nietzsche dizia “o Cristianismo é uma espécie de platonismo para os pobres”, e o filósofo alemão tem suas razões. Platonismo e cristianismo se misturam tão bem quanto o nosso tradicional “café com leite”, ambos estão inseridos numa lógica de dualidade do Universo: de um lado o mundo aparente e imperfeito da sensibilidade, de outro o mundo real e perfeito da idealidade.

Em Platão a oposição entre o mundo sensível e o mundo inteligível (ou mundo das idéias) deságua na valorização do espiritual (inteligível) em detrimento do carnal (sensível). E assim o dito popular prossegue afirmando “a carne é fraca” enquanto o “sangue de Jesus tem poder”. Por isso o Cristianismo é indiferente (mesmo que diga o contrário) quanto à miséria e a violência do mundo, já que as questões do mundo da carne não lhe dizem mais respeito por ser algo “menor” – e prosseguimos “dando a César o que é de César”. O olhar do cristão não está aqui, não está em lugar algum, está no devir metafísico.

Voltando ao sexo cristão esta lógica, que na realidade tira todo o valor do ato sexual, se iniciou nas idéias platônicas a respeito do amor (Eros), em especial na concepção de “graus de Eros” (apresentada em pormenores na obra Simpósio).

Segundo Platão o amor é dividido em escalas, em graus, partindo da pura sensibilidade (enamoramento, beleza dos corpos) tida como equívoco, até a ascese (subir em direção a algo) erótica que conduz a formas mais elaboradas de amor (beleza das obras, beleza do conhecimento) – até que então cheguemos à expressão superior de amor, que é atingir o “belo em-si”.

“...quando alguém, ao elevar-se deste mundo por meio de um reto amor pelos jovens, começar a distinguir esse belo, terá então quase alcançado o ápice da ascese. Este é, portanto, o caminho certo a ser seguido em direção a disciplina do amor, sozinho ou orientado por alguém: o ponto de partida são as coisas belas deste mundo, o ponto de chegada é o belo, até o qual subimos com a ajuda de, por assim dizer, degraus (...) É neste momento da vida, caro Sócrates, mais do que em qualquer outro, que vale a pena estar vivo: na contemplação do belo em si (...) O que pensar então da condição do homem que tivesse chegado a contemplar o belo em si mesmo, puro, imaculado, íntegro, e que, livre do peso da carne, das cores dos homens e de todas as outras vaidades mortais, pudesse ver em si mesmo o belo divino, na unicidade da sua forma”
PLATÃO (Simposio)

Platão quando fala em amor distingue a beleza dos corpos e das coisas, como expressão inferior e dissimulada, da idéia de beleza pura, ideal, da beleza em-si. Isso significa que a partir de Platão há uma concepção ideológica que desvaloriza o corpo, a carne, a beleza dos corpos, em detrimento da alma, das formas puras, do higiênico “mundo das idéias”. O que vale, segundo Platão, é amar o “belo em-si” e não os corpos belos ou muito menos um único corpo belo. Em Platão o sexo deixa de ser uma atividade, de ser algo desejável como atividade, e passa a ser um encontro metafísico, uma busca incessante por pureza (dando o primeiro passo rumo à sacralização do corpo).

E o que faz a ideologia cristã? Transpõe, a seu modo, esta mesma lógica em suas formulações morais diante do sexo. Daí a busca pela pureza sexual, pelo sexo condicionado a uma disciplina divina/metafísica. Resultado: tudo aquilo que amplifica a satisfação corporal passa a ser condenado como má prática/pecado; e tudo aquilo que castiga, pune, e causa dor ao corpo é beatificado como ato sublime e espiritual (aqui a aceitação de martírios, como o que Jesus sofrera, ou mesmo a loucura de uma Opus Dei com suas práticas de autoflagelo).

Um comentário:

  1. Tiago, parabéns pelo "post". Muito esclarecedor e ilustrativo. Realmente, o Cristianismo fez (e ainda faz) absurdos! Beijos.

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