quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A Felicidade está além das coisas, em Marcuse

Herbert Marcuse (1898-1979), considerado um dos ícones do pensamento contracultural da década de 1960 (participando, ativamente, dos eventos engajados de 1968), é um intelectual partícipe da chamada "Escola de Frankfurt" ou filósofos "frankfurtianos", ao lado de Walter Benjamin, Theodor Adorno, Eric Fromm, Jürgen Habermas.

O trecho selecionado para esta postagem trata do tema, aristotélico, da felicidade (eudemonia ou eudaimonia). É parte da publicação de 1965 "Cultura e Sociedade" (Kuttur und Gesellschaft I), que reúne textos produzidos por Marcuse para a Revista de Pesquisa Social, produzida pelo Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt entre 1934-1938.

Com as palavras, mestre Marcuse:


O mundo do necessário, da provisão cotidiana da vida, é inconstante, inseguro e não livre - essencialmente e não só de fato. Dispor sobre os bens materiais nunca constitui inteiramente obra da sabedoria e da laboriosidade humanas; eles se encontram sob o domínio do acaso. O indivíduo que coloca seu objetivo supremo, sua felicidade, nesses bens, se converte em escravo de homens e de coisas que se subtraem a seu poder: renuncia à sua liberdade.

Riqueza e bem-estar não são alcançados e mantidos por sua decisão autônoma, mas devido a favores mutáveis de relações imprevisíveis. Portanto os homens subordinam sua existência a um fim em seu exterior. Que um fim exterior por si só já atrofie e escravize os homens, implica o pressuposto de uma ordem perversa das condições materiais de vida, cuja reprodução é regulada pela anarquia de interesses sociais opostos entre si, uma ordem em que a manutenção da existência geral não coincide com a felicidade e a liberdade dos indivíduos. 

Na medida em que a Filosofia se preocupa com a felicidade dos homens - e a teoria da Antiguidade clássica insiste na eudemonia como o bem supremo -, ela não pode encontrá-la na constituição material vigente da vida: ela precisa transcender a faticidade desta.

MARCUSE, Herbert. Cultura e Sociedade vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 90.

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