domingo, 12 de junho de 2011

Um pouco de História Crítica do Sexo

Uma das melhores coisas da vida humana é o prazer sexual. Dentre todos os vícios que os seres humanos possam se perder, por excessos, nada mais sublime que perder-se no encontro corporal com o outro. Além disso nunca é demais repetir que a sexualidade também é a porta de entrada para uma das maravilhas naturais: a reprodução da espécie. Prazer e reprodução, de mãos dadas, possibilidades abertas sobre um mesmo fenômeno natural.

E é por esta força, que pode até fazer com que nos percamos, que os seres humanos ao longo da história criaram uma série de mecanismos ideológicos sob a égide da contenção ou mesmo da repressão sexual. O sexo acaba por tornar-se imoral, sujo, humilhante, regrado e limitado.

Este medo, causador destas ideologias assexuadas ou mesmo anti-sexuais, pode ser compreendido como uma recusa da animalidade humana. O ser humano que recusa ser animal, que por orgulho e arrogância busca colocar-se numa posição de domínio e hegemonia diante da natureza, se achando "especial" e até "divino".

Não é sem razão que o maior tabu da história humana é relacionado ao ato sexual: o incesto. Raros foram os exemplos onde o incesto clássico (proibição de ato sexual entre pais e filhos) fora uma regra social inexistente (mudando apenas o conceito de família e de relação de parentesco entre as mais diversas sociedades humanas).
Já a poligamia, prática ainda resistente em países árabes, muçulmanos, ou mesmo em grupos aborígenes, fora proibida na cultura ocidental a partir de uma criação artificial destes no sentido de que se evitasse uma suposta concentração de fêmeas nas mãos de homens mais ricos, ou seja limita-se a relação entre homens e mulheres no sentido monogâmico como que segundo uma "justiça social" onde a propriedade "mulher" não seria concentrada.
 
A presente homofobia ou mesmo o estranhamento diante das manifestações de uma sexualidade homoafetiva não eram encaradas de maneira preconceituosa entre os povos do chamado mundo clássico: Grécia e Roma. Durante parte do mundo antigo nem mesmo havia uma construção conceitual de homossexualidade, visto que o usual era a prática bissexual onde homens e mulheres mantinham relações repletas de dualidade. Não era pouco comum o sexo entre homens como ato de prazer e o sexo heterossexual como mecanismo de reprodução, encarado assim separadamente (a história de antigos personagens históricos mostra bem isso como Sócrates, Júlio César, Alexandre Magno, Calígula, Tibério, etc).
O julgamento moral sobre esta prática/cultura bissexual somente se concretizara na vida social do mundo ocidental com o advento do Cristianismo e tempos antes com a filosofia aristotélica, ambas condenando e conceituando esta prática como "homossexual" e digna de punições e humilhação social; ou seja, Aristóteles e os apostolos de Jesus (também misógenos) seriam os construtores de uma espécie de "homofobia".

Magia e sexo sempre andaram juntas. Muitos rituais, desde as antigas bacantes clássicas, o corte do prepúcio masculino entre egípcios e depois entre os povos hebreus, a adoração a deuses em forma de falos gigantes, a bruxaria e suas orgias ao ar livre, tudo baseado na lógica de que o sexo é fonte de vida, de vitalidade, de que nele há uma energia não só corpórea mas espiritual e cósmica. Fácil compreender como que durante os terríveis séculos medievais mulheres eram mortas e postas ao fogo e a tortura sob a argumentação de bruxaria quando apenas mostravam uma prática sexual diversa da corrente e aceita pela sociedade clericalizada e cristianizada do período.
 
Em obras literárias, filosóficas, podemos apreender o caráter revolucionário, subversivo da sexualidade: na obra de George Orwell "1984" os protagonistas começam a romper com a ordem estabelecida a partir da afetividade e das relações sexuais que mantinham a margem do sistema político-social repressivo e autoritário; na magna obra shakespeareana "Romeu & Julieta" o sexo e o amor são forças irresistíveis que movem ambos numa luta contra a imposição familiar, a repressão familiar e tradicionalista; na filosofia de Marcuse, em "Eros e a Civilização", na filosofia de Foucault, em "História da Sexualidade", o sexo é ponto central de afirmação humana, de luta contra uma cultura assexuada e anti-sexual que buscavam, em síntese, uma espécie de "disciplina dos corpos".

"Disciplina" esta apresentada por Aristóteles em "Ética" quando nos afirma a todo instante para o cuidado com os excessos, e como que a retidão estaria relacionada a um comedimento de nossos desejos, sendo necessária uma disciplina de si. E depois reafirmada pela cultura judaico-cristã que retira o elemento prazer do ato sexual, vinculando-o a uma estrutura de formação/consolidação do núcleo familiar, pragmaticamente entendido como mecanismo, único, para reprodução da espécie e nada mais.
 
São as lutas dos anos 60 do século passado que deram impulso para a formação de uma nova cultura sexual, reforçadas por movimentos sociais como o feminismo e grupos GLTB, a comercialização da pílula anticoncepcional, o reconhecimento/consolidação do direito ao divórcio. 
 
Por mais que nossos caminhos desde então caminharam em direção a um excesso desmedido, trazendo graves consequencias como o advento da Aids nos anos 80 e principalmente a diluição das relações de afetividade entre as pessoas (o chamado ficar, o sexo livre, fenômenos que o sociólogo polonês Bauman conceitua como amor líquido - numa sociedade pós-moderna de total liquidez humana, tomada pela lógica de consumo-inclusive consumo de si mesmo) devo afirmar que hoje o ser humano é um indivíduo sexualmente mais ativo e mais realizado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário