terça-feira, 20 de abril de 2010

A atualidade de "Besouro"

História, ação e muita porrada (ao estilo hollywoodiano mesmo, com coreografias do chinês Huen Chiu Ku que trabalhou em filmes como Kill Bill e Tigre e o Dragão), viés social, cultura africana, tudo isso são elementos presentes no filme de João Daniel Tikhomiroff "Besouro", baseado no livro "Feijoada no Paraíso" de Marco Carvalho.
O longa me surpreendeu, positivamente, não somente pela temática em pauta (a capoeira em meio ao Recôncavo Baiano no início da década de 20, quando a luta, maquiada como dança, ainda era tabu sendo proibida a sua prática por lei - somente alterada e permitida a prática da capoeira em 1953, sendo hoje patrimônio histórico cultural brasileiro) mas pela sua proposta estética, semelhante ao belo filme "Tigre e o Dragão" (as cenas de Besouro saltando pelo sertão, numa espécie de treinamento, de aprimoramento físico, são sensacionais), relacionada dialeticamente a todo o viés social do período em questão.
Socialmente o filme traz a tona questões em torno do latifúndio, em especial ao sistema implementado desde os tempos coloniais: plantation (sistema que reúne dois elementos fundamentais - grande propriedade rural/latifúndio, e a cultura de um único produto agrícola/monocultura, no caso do filme, e da geografia local a produção de cana-de-açúcar). Para apresentar uma plantation tipicamente colonial só faltara o terceiro e derradeiro elemento: o trabalho escravo como força de trabalho. Contudo, apesar do enredo se ambientar já na década de 20 do último século os negros trabalhadores ainda eram tratados como verdadeiros escravos, não só em termos ideológicos (o filme mostra jagunços mestiços fazendo piadas, perseguindo, e até castigando os negros da fazenda com violência) mas até mesmo na condição de trabalhador "livre" - preso a humilhante condição de mão-de-obra expropriada no engenho de açúcar.
E é contra tudo isso, na base da força (dai o uso da capoeira) e da mobilização dos trabalhadores negros (cônscios de sua condição de expropriação, humilhação, indignando-se) que surge a figura do capoeirista Besouro, que a princípio sozinho, luta contra a ordem estabelecida no engenho (comandado por um asqueroso coronel/latifundiário).
Por fim o longa é mais do que indicado, como diversão e entretenimento (boas sequências de lutas), e por retratar, a sua maneira, questões postas ainda no nosso tempo presente: a luta pela valorização do negro no Brasil e da cultura negra (o filme faz referência a muitas das divindades africanas, em destaque a figura de Exú, ou mesmo dos ditos corpos fechados, as oferendas aos deuses ainda tão preconceituadas como artífices demoníacos, magia negra e coisas afins), a questão da posse da terra (o latifúndio, monocultor, ainda é um cancro econômico-social brasileiro, único país do mundo a ainda não realizar reforma agrária).

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