terça-feira, 6 de abril de 2010

Menta e Marx no butiquim (1º parte)

Pouco mais de 23:00, em passos apressados adentro ao recinto esfumaçado, entorpecido pela mistura de tabaco, álcool, pratos quentes e muita conversa no ar.

Putz, acho que tá sem mesa, sem cadeira sobrando! - primeiro pensamento e impressão quando da busca por um lugar ao sol naquele bar.

Senta aqui professor... diz uma voz rouca, envelhecida, e puxa uma cadeira.

Opa..mas, mas, Marx? Aqui no bar? 
Sim, sim. Cansei das horas e horas sentado defronte montanhas de papéis e livros, sabe como é minha rotina de trabalho! 

Ah claro, bibliotecas aqui e ali, uma correria...

É, mas quis dar um tempo hoje, aproveitei uma grana que o camarada Engels depositou na minha conta corrente e vim gastar um pouco com a esbórnia, afinal de contas, levar a vida tão a sério assim tá até me fazendo mal, e de males já me bastam os furúnculos!

Tem razão Karl, se me permite a intimidade...

Esquenta não professor...tu é de casa, te conheço bem, tu vens me procurando a alguns anos, leste muitas coisas minhas, até meus críticos, pois bem amigo, cá estou.

E que surpresa!

Eu liguei pra alguns dos seus amigos, claro que não me identifiquei, até porque muitos deles nem sabem quem eu sou ou mesmo o que faço, e pelas conversas ao telefone descobri que o camarada frequenta o bar aqui..

Sim, sim. Costumo vir aqui, de preferência nas sextas à noite. Depois daquela semana com a molecada, adolescentes, sabe como são..

Sei, tive filhos, mesmo não sendo lá muito presente, mas não se assuste que eu também não cheguei ao nível do Rousseau.

Putz! Rousseau, quem diria. Tantas palavras sobre liberdade, democracia e direitos, e ele tratava os filhos como prestobarba descartável..

Hahahaaha! Isso mesmo...falando nisso eu andei até pensando em aparar esta barba, imagine, desde 1840 e poucos eu não faço a mesma...

Caralho Karl...tá grande esta porra mesmo...melhor nem pensar em pedir caldo hoje pro garçom.

Conhece um barbeiro bom?

Sim. Não se preocupe, te indico algum.

Mas professor, ele cobra caro?

Pelo tamanho que está isso ai, nossa, barato não vai sair.

Ai complica professor.

Tá sem grana Karl? 

Sabe como é...minha vida é ficar sentado, ler, escrever, ganhar dinheiro é coisa de burguês, eu não quero nada, apenas o necessário e nisso o bom camarada Engels já oferece muitos préstimos.

Ok..toma aqui uns R$ 50,00.

Mas professor, não precisa tanto, sei comos os governos brasileiros pagam mal o seus educadores, uns R$ 20,00 já estariam de bom grado.

Ok...a situação nossa aqui em Minas tá feia, vamos ver se este ano os mineiros tomam vergonha na cara e votam em uma proposta real de mudanças.

Votar? Ah professor, não seja ingênuo, sabes tão bem quanto eu que através do voto não mudaremos merda nenhuma.

Eu sei, eu sei...

De súbito pego um cardápio, folheio um pouco, e faço os pedidos:

Garçom! Aqui pinguim...aqui (chamando com os dedos e na base dos assobios, pois o barulho do lugar era demasiado turbulento)..traz uma porção de pastéis de angu, torresminhos com mandioca frita, umas cervejas, beleza!

Boa pedida, professor. Tava com fome já...

Eu também Karl.

Mas como diziamos, votar mesmo, esse papo de democracia, voto popular, escolha popular, e pior, vox populi...

Puta que o pariu, essa de vox populi me dá coceiras...

É, ai fode tudo mesmo, sabe como é a religião...

Bagunça mais ainda a situação. Na minha época tinha professor de universidade que era demitido, e depois não conseguia trabalho, só por assumir-se como ateu. Hoje avançamos neste ponto...

Eu sei, era o Lud.

Isso mesmo, Feuerbach.

Grande cara.

Mas e ai Karl (que devorava ferozmente o prato de torresmos e mandioca), o que faremos com isso tudo que está ai?

Ué...eu já cansei de dizer...

Tomar o poder, e tal...

Sim, sim, tudo nas mãos do proletariado.

Mas Karl, não deu certo. Veja os russos, os chineses, os cubanos, hoje tem cara que mistura as suas ideias com paradas de Simon Bolívar!

Ah, é mesmo, Chávez né?

É, ele mesmo...

Esse não sabe nada, tá perdidinho.

E como tá..

Estes exemplos que afirmas não são fiéis aos meus princípios, que talvez nunca ninguém tenha fielmente seguido, eu mesmo, me lembro como se fosse hoje dizia que eu, Karl Marx, jamais seria um marxista.

Ai é que está Karl, não podemos jogar fora o marxismo.

Não? Fala sério.

Como método, como mecanismo de análise histórica e sociológica, não há ferramenta mais eficiente. Já como projeto político...

Que tem?

Oras, como projeto político é furada Karl.

Me convença.

Você dá créditos demais ao Estado, que com todo respeito é tratado pelo amigo como uma espécie de Deus, e isso Karl é reflexo do seu velho hegelianismo.

Será? (Marx está pensativo, sem notar o pedaço de angu no canto da barba).

Você devia ter abandonado Hegel completamente, como fizera com a noção filosófica de dialética transportando-a para o conceito de materialismo histórico ou materialismo dialético. Mas achar que o Estado, mesmo tomado pelos trabalhadores, iria promover bem-estar a todos...ai Karl, você foi ingênuo demais.

E o que sugere o amigo?

Reelabore, reconstrua, sua visão de Estado, pois ele é, no meu entendimento, promotor, essencial, de desigualdades, intolerância e vigilância.

Então és anarquista mesmo?

Sim Karl, e com convicção.

Bom...esta conversa avançou muito, e eu não quero desperdiçar tanto tempo assim falando em trabalho.

Concordo contigo, e ai, comida daqui é boa, não é?

Muito boa, e você tá observando quanta mulher bonita...

Vixi, cada "bitela"...

Ahahahaahahaha

Me passa a caneta Karl, vou escrever uma bobagem no guardanapo e passo pro garçom, ai ele leva praquelas gatas ali na mesa do canto, quem sabe hoje a gente se dá bem?

Karl passa sua bic surrada, sem tampa - isso serve!

Com rapidez escrevo:
"olá, eu e meu amigo aqui estamos interessados em conhecê-las. Vem pra cá ou podemos ir ai?"

O garçom recebe o guardanapo, um abono de R$ 5,00, e leva o bilhete pras garotas da mesa do fundo, que ao abrir o guardanapo sorriem, de maneira tímida, mas sorriem...e momentos depois fazem gestual como que convidando-nos a sua mesa.

Putz Karl, tão chamando...e ai, a morena ou a loira?

Fica com a loira professor, na Alemanha já enjoei de tanta loira...

Pegamos nossos copos de cerveja, nos levantamos e fomos em direção a mesa..

CONTINUA...

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