sábado, 23 de janeiro de 2010

Textos Clássicos do Prof. Tiago Menta - As Drogas Matam, a Hipocrisia Mata Mais!


Texto de 9 de outubro de 2007


Amigos e amigas, aproveitando o gancho do filme “Tropa de Elite” e do livro “Elite da Tropa” quero aqui despertar um debate, uma reflexão, em torno de um assunto muito delicado, quase tabu: a descriminalização das drogas.

O filme e o livro abordam pelo viés policial (BOPE – Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro) a guerra vivida diariamente em metrópoles brasileiras como o Rio de Janeiro. Guerra causada pela venda e consumo de drogas, pela organização do tráfico. As metrópoles brasileiras tornaram-se locus dos mais violentos do mundo, onde diariamente um número acentuado de vidas humanas são perdidas (em dados oficiais a soma da violência urbana no Brasil supera, em número de óbitos, as contagens encontradas em conflitos como o que hoje se desenvolve no Iraque ocupado pelas tropas norte-americanas).

O quadro que hoje assistimos é caótico: polícia mal equipada e mal paga, com altos índices de corrupção, o estabelecimento de poderes paralelos ao Estado brasileiro nas mais diversas favelas e áreas periféricas do país, entrada descontrolada de armas, miséria e subdesenvolvimento que obrigam crianças e adolescentes a trabalharem para o crime, crise de valores que fazem com que crianças e adolescentes consumam mais e novas drogas (desde o menino de rua que fuma crack na calçada, passando pelo jovem de classe média que fuma maconha na universidade, até os mais ricos que cheiram cocaína ou tomam ecstasy no meio de baladas, festas have, orgias, etc).

Combater o tráfico na base da porrada pode agradar muitos, inclusive legitimando o uso da tortura como método policial. Muitos ao assistirem o capitão Nascimento (personagem de Wagner Moura em Tropa de Elite) espancando traficantes, moradores de favelas, estudantes e usuários de drogas, o aplaudem como que se o personagem assumisse entre nós a figura de “paladino da justiça”, como aquele que desfere a nossa vingança sobre este mundo do crime que hoje nos incomoda e nos escraviza (afinal não estamos mais livres nem em nossas casas, que diria nos sinais de trânsito, nas ruas). Capitão Nascimento vai se tornando, para setores da sociedade brasileira (como Luciano Huck indignado após recente assalto sofrido no bairro do Jardins em São Paulo quando assaltantes em uma moto levaram-lhe o relógio Rolex de ouro) um herói, quando na verdade ele funciona como uma espécie de “detetizador”, como alguém que entra em nossas casas e elimina todas as baratas, formigas e demais insetos indesejáveis.

Capitão Nascimento é um funcionário a serviço da limpeza, da limpeza urbana, da limpeza social – ele entra na favela, como manda a filosofia do BOPE, e sua missão é simples: matar! (leia-se: limpar).

Porém, a sociedade se enganou numa coisa – a limpeza, na base da violência, utilizando os vários “Capitão Nascimento” de nossas organizações e instituições de segurança, não se mostra suficiente para combater, no âmago, a questão do tráfico de drogas. E para este problema, em meu entendimento, só há um solução, coincidentemente liberal por excelência: a descriminalização.

Por que existe tráfico? Por que ele é tão poderoso em armas e capital financeiro? Por que ele tem poder de influência? A resposta para estas perguntas é uma só: porque o tráfico, a condição de ilegalidade, proporciona tudo isso, todo este poder. O exemplo maior retiramos dos Estados Unidos no início do século passado quando sua sociedade puritana instituiu a chamada “Lei Seca”, proibindo a venda e o consumo de álcool em território norte-americano, resultado: a máfia de Al Capone e de outros chefões do crime, organizado em torno do tráfico de bebidas alcoólicas, que logo se somava a outros crimes como o jogo e a exploração sobre a prostituição. Al Capone e a máfia que se instalou na sociedade norte-americana são frutos do puritanismo besta que marca a cultura norte-americana.

Transpondo esta questão para a realidade brasileira a lógica é a mesma: proibir a venda e o consumo de cocaína, maconha, LSD, ecstasy, crack, etc, é ao mesmo tempo criar um mercado paralelo, proibitivo, portanto, mais lucrativo. Afinal, você pagará mais por algo que não encontra em qualquer esquina, assim já diz a lei simples da economia. Ao passo que quem lida com um mercado proibitivo, ilegal, terá que lutar contra as forças da legalidade, contra o Estado, e assim serão necessárias a compra de armas e outras estruturas de defesa. Logo, como atuam num mercado restrito e muito lucrativo conseguem adquirir suas armas com muita facilidade devido ao poder do dinheiro, e logo o mesmo poder do dinheiro comprará setores da sociedade, já que o dinheiro é instrumento eficaz quando o assunto é influência e corrupção. E assim uma simples proibição dá vida, dá energia, inicialmente a um mercado restrito e lucrativo, que em seguida se arma e se organiza para sobreviver enquanto ilegalidade (pois é mais lucrativa), e logo devido ao seu poderio econômico e até bélico está atuando na sociedade de forma a corrompê-la (a extorsão, a propina, a corrupção, a lavagem de dinheiro, o silêncio).

Como acabar com esta situação de caos, e com este ciclo de destruição, conflitos e mortes? Indo em direção ao âmago da questão: a proibição.

Com a descriminalização da droga não haverá mais tráfico. Todos poderão comprar, na farmácia mais próxima, em laboratórios, ou mesmo em padarias (cigarros de maconha, em maços como os ditos legais) a droga de sua preferência, alimentando o seu vício e assumindo, como indivíduo livre, a sua autodestruição (pois é fato que estas fazem mal a saúde e causam dependência físico/química/emocional como também o causam cigarros comuns, álcool, e alguns medicamentos). Com o mercado aberto os preços da droga cairão drasticamente, o que tirará delas a atração que hoje elas tem sobre os mais pobres e excluídos (ganhos rápidos e altos). Com a legalidade ninguém precisará comprar armas para defender o seu mercado lucrativo da ameaça do Estado e assim o tráfico de armas também se reduzirá. Menos armas, logo menos mortes.

Mas se é tão óbvio, por que não descriminalizam? Por dois fatores: um nosso, outro dos traficantes e de quem se beneficia do tráfico. O nosso diz respeito à hipocrisia e ao puritanismo da sociedade brasileira, que prefere ver seus filhos mortos nesta barbárie urbana do que assumir que faz uso e consome drogas. Consumir drogas faz mal? Sim, mas o corpo é uma posse individual, e temos o direito de destruí-lo se assim o entendermos, só não temos o direito de destruir o outro, os outros, e é isto o que o tráfico faz. Como coloca a teoria liberal mais clássica o Estado não tem o direito de me dizer o que eu devo consumir ou não consumir, o que eu devo pensar, como eu devo me vestir, me comportar. Quando nossos atos não atingem a liberdade dos outros, não destroem a coesão social, qualquer que seja a nossa ação ela é legítima.

Exemplo: quando eu chego em casa e tomo duas garrafas de uísque e caio embriagado na cama, isto é direito meu. Porém se eu vou ao supermercado, compro a bebida, tomo dirigindo e com meu veículo atropelo outras pessoas num ponto de ônibus ai sim estarei cometendo um delito, passível de punições e ai sim o Estado, como legítimo detentor da força e da violência, deve agir sobre a minha conduta.

Quando um jovem entra numa farmácia e compra 100 gramas de cocaína e em sua casa, numa festa, cheira o pó e tem alucinações, e nada mais que isto, como condená-lo a alguma coisa? Contudo se o mesmo após o consumo ou para continuar o consumo rouba um relógio, um tênis, este deve responder pelo seu crime (roubo) e não pelo fato de ser usuário de drogas. Com o uso individual da droga ele só causa danos a si mesmo, quando ele rouba para comprar drogas ele causa danos sociais, ai o Estado atua e lhe confere sua força e repressão de maneira legítima.

A outra razão é a mais simples: o traficante não quer perder a rentabilidade e o poderio conquistados pela existência deste mercado proibitivo, paralelo, e muito, muito lucrativo. Se amanhã todo mundo tem o produto que hoje eu vendo com certa exclusividade o negócio em certo se tornará menos atrativo, pois a concorrência e a legalidade abaixará os preços e diminuirá os meus lucros.

Portanto, amigos, amigas, cidadãos do Brasil, vos conclamo a um desafio: vamos legalizar as drogas, vamos dar um fim ao tráfico, e daí procuremos tratar nossos viciados como hoje os AA tratam de dependentes do álcool, com campanhas do Ministério da Saúde (oferecendo gratuitamente tratamentos de desintoxicação), e para aqueles que ainda assim, cientes dos perigos do consumo de drogas, insistem em usá-las não nos restará outra coisa senão respeitá-los e aceitá-los em suas decisões mesmo que estas lhe causem a morte brevemente, e estes só seriam responsabilizados ou mesmo punidos pelo Estado caso cometessem crimes comuns derivativos do uso e não condenados pelo uso pura e simplesmente. Chega de hipocrisia. Além das drogas, a hipocrisia mata!

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