sábado, 23 de janeiro de 2010

Textos Clássicos do Prof. Tiago Menta - O Renascimento é Humanista, não Ateu

Texto de 31 de outubro de 2008

Renascer significa “nascer de novo”, “voltar à vida”. Ao longo dos séculos XIV, XV e XVI a dita cultura clássica, de gregos e romanos da Antiguidade, simplesmente renasceu, ressurgiu, primeiro sob as mãos dos artistas florentinos, depois romanos e por fim entre os europeus do norte.

Isto pode ser entendido como um amplo e impactante movimento que envolveu artistas plásticos, escultores, pintores, engenheiros, cientistas, escritores, filósofos e todo tipo de pessoa que a época demonstrava alguma independência intelectual, já que por mais de mil anos a Igreja romana impôs o seu pensamento e a sua ordem “na cabeça” dos povos da Europa.

A base, a fonte que inspirou o Renascimento, é o que conhecemos como “Humanismo”, que também pode ser entendido como “Pensamento Antropocêntrico” ou “Antropocentrismo” – que se apega a uma valorização do homem como ser, como sujeito que cria, que é dotado de imaginação, força, e de pensamento/racionalidade (uso da razão como meio de compreensão das coisas, ou racionalismo). Durante os quase mil anos medievais o que se viu fora exatamente o contrário de toda esta lógica, imperando a crença, a superstição, a ação divina ou os textos sagrados como únicos meios de interpretação do mundo e de todos os fenômenos naturais ou humanos (como a própria mortandade causada pela peste negra entre os séculos XIII-XIV, entendida por muitos como castigo divino, como uma praga bíblica). Esta idéia, puramente medieval, conhecemos como “Teocentrismo”, que já insinua Deus como “centro” de todas as coisas que ocorrem no Universo.

O Humanismo é uma forma evidente de se verificar o “retorno” ao mundo clássico, especialmente quando relembramos a Filosofia Grega e a Arquitetura Romana. Foram os gregos os primeiros a se distanciar dos deuses para a compreensão do mundo, dando força ao exercício da empiria (observação das coisas) e do uso da razão (do pensamento, da análise, que dá início ao que depois conheceremos como as mais diversas ciências). Basta relembrarmos Sócrates/Platão que já diziam estar “vivendo em sombras” aqueles que não faziam uso da “luz” da razão, e Aristóteles, o dito filósofo concreto, que impulsionou os mais diversos estudos desde linguagem (poética), biologia, física, política.

Uma obra que retrata bem este resgate dos valores clássicos é “A Escola de Atenas” (1510-1511)
do italiano Rafael (1483-1520), um dos ícones do Renascimento italiano. Nesta obra o artista retrata todos os filósofos gregos da Antiguidade, em destaque ao centro para Platão (que aponta seu dedo para cima, meio que indicando sua preferência por uma filosofia metafísica) e ao seu lado Aristóteles (que aponta o seu contrário, com o dedo para baixo, no sentido de uma filosofia mais concreta, distanciada das coisas espirituais/metafísicas).

Outro indício da recuperação da cultura clássica são as várias obras renascentistas onde o tema retratado, esculpido, pintado, nos remete as mitologias grega e romana, como na obra do também italiano Botticelli (1445-1510) “O Nascimento da Vênus” (1485)
que nos mostra a deusa do amor romana, Vênus (que também dá nome a planeta de nosso sistema solar) saindo de uma concha, como que florescendo para a vida.

Outro ponto importante: a “vida”. Nas obras renascentistas, em seus afrescos (pinturas feitas diretamente na parede úmida), esculturas, os elementos e personagens retratados estão sempre apresentando “movimento”, “vida”, devido ao desenvolvimento de apuradas técnicas como a perspectiva (a criação de um fundo, de uma profundidade nos quadros dando-nos mais dimensões de visibilidade) e o uso das sombras/luzes (claro e escuro), como no famoso “sorriso” da “Monalisa” (1503-1504) do genial Leonardo da Vinci (1452-1519).

É fundamental apontar que o Renascimento não é um movimento que “nega o Deus cristão”, que se apresenta como verdadeiramente ateu (ao contrário do Iluminismo do século XVIII), nada disso. O Renascimento quer, de certa forma, colocar a religião no seu devido lugar, ou seja, como crença, como devoção, não como poder, como único meio de compreensão do mundo – para compreender este mundo, dos homens e da natureza, o ser humano é capaz, já que tem imaginação, inteligência. O que prova isto é a maciça presença de obras renascentistas em igrejas romanas, italianas, como a Capela Sistina (1509-1512) pintada por Michelangelo (1475-1564) retratando passagens bíblicas ao longo de toda estrutura física da Igreja ou mesmo do mecenato (famílias, homens, que encomendavam e financiavam as obras de vários artistas renascentistas) que muitas vezes tinha no Papa como maior dos mecenas.

Em uma de suas marcantes passagens, Michelangelo retrata a “Criação de Adão”
, afresco que mostra o ser humano, representando como Adão, esticando suas mãos de encontro ao Criador, Deus representado em forma humana (com longos cabelos e barba branca) em ato de igualdade. Nem o Homem é menor que Deus, nem maior, e assim por diante. Deus e Homem são tornados iguais, em força e poder. Ambos possuem aspecto humano, e mesmo habitando planos diferentes, estão de mãos dadas.

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