Uma das maiores canções do século XX ou "música demoníaca"? Quem me conhece sabe que a resposta só poderia ser a primeira assertiva, Led Zeppelin eterno!
* a segunda assertiva diz respeito aos argumentos que colocam o grupo como praticantes de magia negra, especialmente o guitarrista Jimmy Page - conhecido seguidor do ocultista Aleister Crowley.
Em entrevista ao programa Milênio do Globo News, Demétrio Magnoli fala sobre o conceito de raça - tema de seu livro "Uma gota de sangue", publicado pela Editora Contexto.
Música crítica, ácida, contra o reacionário jornalista Boris Casoy (TV Bandeirantes). Este sim um lixo verdadeiro - e até quando, Fernando Mitre (diretor de jornalismo da Band), você vai manter este mau profissional e mau caráter ao seu lado?
Fazia tempos que um filme, mesmo hollywoodiano, não provocava em mim dupla percepção: de aprendizagem, reflexão constantes, e ao mesmo tempo de ótimo entretenimento. Isto é "BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS" que estreiou nos cinemas mundiais no último dia 18 deste mês.
Mas, e de onde vem o "Caos" presente neste filme? Materializado na figura do Coringa, interpretado brilhantemente pelo já falecido ator Heath Ledger (vitimado por uma overdose de medicamentos em janeiro deste ano).
O CORINGA DE LEDGER - ALUSÃO AO PENSAMENTO ANARQUISTA
O Coringa não é um vilão como os outros, clássicos em filmes de heróis ou mesmo nas histórias em quadrinhos, e o próprio personagem afirma isto no filme "Não sou como vocês (...) sou algo melhor, diferente". Então, o que ele é?
Os vilões clássicos buscam dinheiro, poder, coisas materiais, típicas de um mundo mercantilizado como o atual. Eles roubam, sequestram, matam, em nome do poder e do dinheiro. Simples. O Coringa não - ele rouba, sequestra, mata, não pelo dinheiro, poder ou coisas materiais, ele simplesmente quer ver "o circo pegar fogo" e mais nada. Ele quer o caos, ele quer o descontrole, e ele se apresenta no filme como um agente deste descontrole.
Indício disto é a cena onde o Coringa coloca fogo numa pilha gigantesca de milhares e milhares de dólares, ou seja, ele desdenha da propriedade privada! Muitos diriam que ele é louco, afinal como diz a cultura popular "rasgar dinheiro" é manifestação própria de quem perdeu a consciência, mas para o Coringa não, ele não rasga dinheiro ou queima-o por loucura, não, ele age assim pois queimando milhares de dólares ele põe em xeque um pilar de nossa sociedade: a propriedade privada. Estamos habituados a ter a noção de propriedade como algo intocável, quase divino, sendo inclusive preceito básico de nossas leis (o direito à propriedade).
O fim da propriedade privada é um dos pilares de dois pensamentos políticos construídos ou fortificados no século 19: o Socialismo e o Anarquismo. Em ambos encontramos um outro pilar, de suma importância: o igualitarismo. Para o Coringa todos somos iguais, não há dúvida. Mas isso nao se traduz como no sentido do coletivismo, do humanismo, não, para o Coringa todos somos iguais na hipocrisia, na necessidade e busca pelo auto-controle e por algo que nos controle (como os governos, o Estado, as autoridades) porque em essência somos todos uns animais em completo descontrole, e ele, ao contrário das pessoas comuns ou mesmo "civilizadas" deixa este descontrole, natural, aflorar e se manifestar numa Gotham City que se torna prisioneira de si mesma, prisioneira em várias circunstâncias do verdadeiro caos.
Quando aqui me refiro ao "Caos" não é pura e simplesmente em termos de bagunça, não, falo em termos da origem etimológica grega (anarchos) de falta de governo, falta de autoridade. E é pela falta de governo e autoridade que Gotham City precisa de figuras como Batman (para manter o controle) ou apresenta figuras como Coringa (para gerar o descontrole).
Para questionar ou mesmo destruir as noções ou figuras de autoridade, o Coringa atua sobre a figura do eminente promotor público Harvey Dent, causando-lhe a perda de sua noiva - provocando-lhe uma transformação tão intensa que Harvey, de idealista e íntegro homem das leis (essência do controle), se torna um justiceiro cruel e incrédulo como "Duas-Caras", reforçando a descrença na justiça e a própria situação de caos, de falta de autoridade em Gotham City.
Mas o que quer o Coringa com tanta destruição e caos? Uma sociedade nova e mais livre, com certeza. Uma sociedade sem controle, sem autoridades, sem propriedades, onde todos viveríamos uma espécie de estado natural.
Em suma, percebe-se, a partir do personagem, toda uma influência da teoria anarquista na construção deste mesmo personagem e na própria caracterização do Batman e de outros heróis - ou seja, os heróis são em essência agentes do controle, mantenedores da ordem existente. Os heróis não podem gerar transformações, nunca. Os heróis são conservadores por excelência. Alguns vilões, como o Coringa, causam furor e muito estrago por simplesmente atuarem como agentes do descontrole e que possuem capacidade criativa, de geração de algo novo, de transformação.
De alguma forma Gotham City é nossa vida em sociedade, sombria e dura. Nossos governos e autoridades possuem limites, e quando elementos de destruição e descontrole, transformadores, como o Coringa aparecem logo a mesma sociedade produzirá seus heróis, conservadores, mantenedores do controle e da ordem como Batman.
Finalizando, uma certa vez afirmara Michail Alexandrovich Bakunin (1814-1876):
"A PAIXÃO PELA DESTRUIÇÃO É TAMBÉM UMA PAIXÃO CRIADORA"
Estreiou a algumas semanas em alguns estados brasileiros (SP, RJ, RS e MG), infelizmente, o filme que encerra a trilogia do cineasta brasileiro José Mojica Marins e seu já folclórico personagem "Zé do Caixão" - Encarnação do Demônio.
"Encarnação" dá fim a trilogia que ainda reúne, na década de 60, os filmes "Á Meia-Noite eu Levarei tua Alma" e "Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver".
Aqui no Brasil Mojica não possui o reconhecimento que tem por exemplo nos Estados Unidos, onde é conhecido como Coffen Joe (nome que deram ao personagem Zé do Caixão). Porém, com a produção do filme após décadas de tentativas fracassadas (inclusive com a morte do primeiro produtor, na década de 70), com o lançamento do livro biográfico de Mojica "Maldito", com o programa estilo talk show no Canal Brasil "O Estranho Mundo de Zé do Caixão" (nome de filme também estrelado por Mojica), parece-me que tanto o cineasta quanto seu emblemático personagem começam a ganhar a devida atenção do público brasileiro, especialmente entre os adolescentes (que gostam de filmes de horror).
QUEM É "ZÉ DO CAIXÃO"?
Para muitos que querem se aventurar no novo filme de Mojica talvez este possa parecer confuso, estranho, pois o mesmo deve ser assistido após serem vistos os filmes anteriores para que o espectador entre, literalmente, na lógica do personagem.
Zé do Caixão, ou Josefel Zanatas (Satanás de trás para frente), é um agente funerário que vive numa cidade pacata do interior brasileiro. Após uma experiência traumática com a ex-noiva, inclusive morta por ele, Josefel torna-se um homem essencialmente cético e materialista.
Zé entende que as demais pessoas, ou mesmo o populacho, são seres inferiores já que estão presos a religiosidade, a uma vida de submissão, carregada de crendices, superstições, e que como tal não merecem a própria vida - visto que não a desfrutam. Assim o personagem se auto-define como Superior, como Homem-Superior.
Como materialista que é, Zé acredita que viverá eternamente apenas através de uma criança gerada por ele - a hereditariedade do sangue, e não a da alma. Para isso, já que se entende Superior, busca uma mulher que possa acompanhá-lo em superioridade, uma mulher livre de crendices, religiosidade, liberta e corajosa. E ai se inicia sua busca, mostrada nos três filmes.
Para saber se a mulher realmente é Superior e não mais uma, mais uma do populacho inferior, Zé do Caixão submete-as a inúmeros testes, carregados de crueldade, horror e dor - e assim o uso de animais peçonhentos como aranhas, baratas, ratos, cobras, e de várias formas de torturas.
ZÉ DO CAIXÃO - FILOSOFIA NIETZSCHIANA?
Como dito acima, Zé do Caixão se entende um homem superior, diferenciado do populacho preso a religião e as crenças ou superstições. Isso faz lembrar, de certa forma, a lógica da filosofia nietzschiana, na apresentação do Além-Homem pelo profeta Zaratustra - de um homem superior sim, se comparado aos homens (Nietzsche até os chama de macacos) simples, populares, perdidos na ética judaico-cristã ou como afirma Nietzsche "na lógica dos ressentidos".
Para Nietzsche o homem moderno vive no niilismo, no vazio existencial, pois está entregue e submisso a uma ética e moral que valorizam não este mundo, não a humanidade, mas sim uma vida de retidão (apolínea) e de busca por um devir metafísico - e assim torna a sua filosofia, dita do "martelo", uma crítica voraz ao cristianismo e ao judaísmo, e a própria tradição filosófica metafísica alemã (representada por Kant e principalmente Hegel).
Zaratustra, profeta iraniano da Antiguidade e construtor da primeira religião monoteísta (Zoroastrismo), é tornado personagem na obra "Assim Falava Zaratustra" como anunciador do Übermensch ou Além-Homem/Super-Homem Nietzschiano: livre, superior, valorizador do hoje e do mundo dos homens, negando toda forma de metafísica (o profeta diz - homens, parem de cuspir para cima!), levando uma vida próxima dos valores clássicos, greco-romanos, o que Nietzsche aponta como vida "dionísiaca" (deus da alegria, das festas, da bebida, da não-autoridade e do não-limite).
Zé do Caixão, personagem de Mojica (um grande cineasta e um homem inteligente, mesmo destituído de erudição) pode ser aproximado sim do Além-Homem Nietzschiano, não na violência do personagem, mas no materialismo do mesmo, na idéia de que um homem livre de crenças é um homem verdadeiramente livre, talvez superior?
Leiam Nietzsche "ASSIM FALAVA ZARATUSTRA" e assistam a trilogia de Mojica "À MEIA-NOITE LEVAREI TUA ALMA", "ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER" e nos cinemas "ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO".
Renascer significa “nascer de novo”, “voltar à vida”. Ao longo dos séculos XIV, XV e XVI a dita cultura clássica, de gregos e romanos da Antiguidade, simplesmente renasceu, ressurgiu, primeiro sob as mãos dos artistas florentinos, depois romanos e por fim entre os europeus do norte.
Isto pode ser entendido como um amplo e impactante movimento que envolveu artistas plásticos, escultores, pintores, engenheiros, cientistas, escritores, filósofos e todo tipo de pessoa que a época demonstrava alguma independência intelectual, já que por mais de mil anos a Igreja romana impôs o seu pensamento e a sua ordem “na cabeça” dos povos da Europa.
A base, a fonte que inspirou o Renascimento, é o que conhecemos como “Humanismo”, que também pode ser entendido como “Pensamento Antropocêntrico” ou “Antropocentrismo” – que se apega a uma valorização do homem como ser, como sujeito que cria, que é dotado de imaginação, força, e de pensamento/racionalidade (uso da razão como meio de compreensão das coisas, ou racionalismo). Durante os quase mil anos medievais o que se viu fora exatamente o contrário de toda esta lógica, imperando a crença, a superstição, a ação divina ou os textos sagrados como únicos meios de interpretação do mundo e de todos os fenômenos naturais ou humanos (como a própria mortandade causada pela peste negra entre os séculos XIII-XIV, entendida por muitos como castigo divino, como uma praga bíblica). Esta idéia, puramente medieval, conhecemos como “Teocentrismo”, que já insinua Deus como “centro” de todas as coisas que ocorrem no Universo.
O Humanismo é uma forma evidente de se verificar o “retorno” ao mundo clássico, especialmente quando relembramos a Filosofia Grega e a Arquitetura Romana. Foram os gregos os primeiros a se distanciar dos deuses para a compreensão do mundo, dando força ao exercício da empiria (observação das coisas) e do uso da razão (do pensamento, da análise, que dá início ao que depois conheceremos como as mais diversas ciências). Basta relembrarmos Sócrates/Platão que já diziam estar “vivendo em sombras” aqueles que não faziam uso da “luz” da razão, e Aristóteles, o dito filósofo concreto, que impulsionou os mais diversos estudos desde linguagem (poética), biologia, física, política.
Uma obra que retrata bem este resgate dos valores clássicos é “A Escola de Atenas” (1510-1511)
do italiano Rafael (1483-1520), um dos ícones do Renascimento italiano. Nesta obra o artista retrata todos os filósofos gregos da Antiguidade, em destaque ao centro para Platão (que aponta seu dedo para cima, meio que indicando sua preferência por uma filosofia metafísica) e ao seu lado Aristóteles (que aponta o seu contrário, com o dedo para baixo, no sentido de uma filosofia mais concreta, distanciada das coisas espirituais/metafísicas).
Outro indício da recuperação da cultura clássica são as várias obras renascentistas onde o tema retratado, esculpido, pintado, nos remete as mitologias grega e romana, como na obra do também italiano Botticelli (1445-1510) “O Nascimento da Vênus” (1485)
que nos mostra a deusa do amor romana, Vênus (que também dá nome a planeta de nosso sistema solar) saindo de uma concha, como que florescendo para a vida.
Outro ponto importante: a “vida”. Nas obras renascentistas, em seus afrescos (pinturas feitas diretamente na parede úmida), esculturas, os elementos e personagens retratados estão sempre apresentando “movimento”, “vida”, devido ao desenvolvimento de apuradas técnicas como a perspectiva (a criação de um fundo, de uma profundidade nos quadros dando-nos mais dimensões de visibilidade) e o uso das sombras/luzes (claro e escuro), como no famoso “sorriso” da “Monalisa” (1503-1504) do genial Leonardo da Vinci (1452-1519).
É fundamental apontar que o Renascimento não é um movimento que “nega o Deus cristão”, que se apresenta como verdadeiramente ateu (ao contrário do Iluminismo do século XVIII), nada disso. O Renascimento quer, de certa forma, colocar a religião no seu devido lugar, ou seja, como crença, como devoção, não como poder, como único meio de compreensão do mundo – para compreender este mundo, dos homens e da natureza, o ser humano é capaz, já que tem imaginação, inteligência. O que prova isto é a maciça presença de obras renascentistas em igrejas romanas, italianas, como a Capela Sistina (1509-1512) pintada por Michelangelo (1475-1564) retratando passagens bíblicas ao longo de toda estrutura física da Igreja ou mesmo do mecenato (famílias, homens, que encomendavam e financiavam as obras de vários artistas renascentistas) que muitas vezes tinha no Papa como maior dos mecenas.
Em uma de suas marcantes passagens, Michelangelo retrata a “Criação de Adão”
, afresco que mostra o ser humano, representando como Adão, esticando suas mãos de encontro ao Criador, Deus representado em forma humana (com longos cabelos e barba branca) em ato de igualdade. Nem o Homem é menor que Deus, nem maior, e assim por diante. Deus e Homem são tornados iguais, em força e poder. Ambos possuem aspecto humano, e mesmo habitando planos diferentes, estão de mãos dadas.
Amigos e amigas, o assunto tratado hoje será a religião. Pela primeira vez aqui em meu blog vamos abordar, criticamente (sempre), o cristianismo - fé por excelência de nosso mundo ocidental.
Não é sem razão que fora lançado um livro que promete ser polêmico "O Livro Negro do Cristianismo" dos autores Jacopo Fo, Sergio Tomat e Laura Ma (editora Ediouro, 272 páginas, R$ 32,90), dando continuidade a uma série de obras de intenso caráter crítico-analítico "O Livro Negro do Capitalismo", "O Livro Negro do Comunismo" e "O Livro Negro do Colonialismo".
Mas por que olhar a religião, seja o Cristianismo ou não, com um olhar crítico? Oras, esta deve ser a postura de todo cientista das humanidades e além, em estudos históricos e estatísticos sabe-se que a maior causa de derramamento de sangue em toda a história da humanidade é a religião. Assim, como não estudar, atentamente, as suas instituições, seus paradigmas, sua historicidade, sua base ética, sua atuação social e política?
Tratarei aqui do Cristianismo pela simples razão de ser a religião do mundo ocidental. Cristianismo que hoje se encontra dividido em muitas ramificações, desde as clássicas divisões entre católicos e ortodoxos, católicos e protestantes (luteranos e calvinistas), e hoje uma série de agremiações pentecostais, neo-pentecostais que aqui entre nós brasileiros costumamos denominar como "crentes" ou mesmo "evangélicos".
Pegando o gancho da obra "Livro Negro do Cristianismo" quero aqui iniciar profunda reflexão: mesmo com tantos crimes comprovados ao longo da história a fé cristã ainda é válida para o ser humano?
Respondo de maneira simples - sim, e sempre. E a razão é sociológica, ou seja, não há vida em sociedade possível com a inexistência da fé, da religiosidade. Isto devido ao seu caráter agregador, conciliador, e também intimidador - se o indivíduo não for ético, se não seguir com a ordem moral, irá pagar (no mundo espiritual) por sua desobediência, seja nas dores infernais ou durante o dia do juízo. Assim, com a religiosidade, como a cristã, os seres humanos criam laços sociais mais sólidos, amparados numa lógica metafísica de união e temor ao desconhecido.
A religião tem origem antropológica, relacionada a capacidade humana de produzir sonhos, ou imagens produzidas pelo cérebro enquanto estamos repousando o restante de nossa máquina corporal. Pois o sonho de alguma maneira era interpretado pelos homens mais primitivos como uma segunda realidade, criando assim a noção de mundo espiritual e da co-existência carne/espírito. Com a complexização do mundo humano esta crença no espírito e no mundo espiritual foi tomando formas institucionais, com regras, visão de mundo, moral, genealogia e cosmologia próprias, daí resultando no que conhecemos como Igrejas ou Religiões.
O problema da religião, segundo minha visão, é a base de seu discurso: a fé. Ter fé é negar a racionalidade, as relações causais, a própria natureza. Aquele que crê nada mais deve fazer diante de sua fé senão continuar crendo, sem provas ou manifestações concretas de sua crença - apesar que tentam demonstrar isto por meio de fenômenos conhecidos como milagres.
Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, o maior e mais sagaz crítico que o Cristianismo conheceu, escrevia assim em trecho de "O Anticristo":
"SE A CRENÇA É O MAIS IMPORTANTE, TORNAR-SE-Á OBVIAMENTE IMPRESCINDÍVEL LANÇAR O DESCRÉDITO SOBRE A RAZÃO, O CONHECIMENTO, A PESQUISA: O CAMINHO DA VERDADE TORNA-SE UM CAMINHO PROIBIDO." NIETZSCHE.
Ou seja, o Cristianismo não consegue comportar dentro de si o conhecimento, pois este baterá de frente com a sua base ética, a fé. Conhecer, saber, através do uso da razão, é uma atividade perigosa, e a Igreja Cristã em sua história aponta isto - lembremos de Galileu pressionado a negar as suas certezas científicas para não levar o mesmo destino de Giordano Bruno, queimado pela "Santa" Inquisição Romana. A Igreja, em nome da fé, de sua fé, de sua visão de mundo, negava, peremptoriamente, que a Terra girava em torno do Sol! A mesma Igreja que ainda nega, com veemência, a teoria evolutiva de Charles Darwin. Assim o Cristianismo sobrevive na negação da verdade racional, e na afirmação da verdade via fé cega, surda e muda.
Em sua institucionalidade o Cristianismo adquiriu, a partir dos primeiros séculos depois da morte de seu Messias/Jesus, contornos romanos, imperiais. Graças ao imperador romano Constantino, que transformou uma fé romana em uma instituição romana. E como instituição romana agregou-se a sua fé o caráter imperial-administrativo, hierárquico e político. Hoje o Papa Bento XVI é o único rei absolutista do mundo pós-moderno, e o Vaticano ainda mantém seu caráter estatal (depois de acordo com Mussolini e o Tratado de Latrão, transformando o Vaticano em Estado soberano).
Não sou cristão, sou ateu. Mas uma coisa é certa, este cristianismo atual não é a pedra angular que Jesus construiu. A Igreja Católica e as Igrejas Cristãs Não-Católicas são filhas do Imperador Romano Constantino e não de seu messias fundador. Elas fazem política, elas são violentas (na ação e no discurso) e intolerantes (pouco dialogam entre si, formando e disputando um mercado de ovelhas desamparadas e desesperadas, e também não dialogam com a sociedade por entender que só ele mesma, Igreja, deve cuidar da conduta ético-moral das pessoas), elas derramaram e ainda derramam muito sangue.
Mas mesmo assim, ainda é válido, sociológicamente falando, manter a religião em sua posição de orientação e unidade social. Contudo, devemos ter a consciência de que o niilismo hoje vivido neste mundo pós-moderno não é sinônimo de um afastamento de Deus, mas um afastamento das Igrejas de sua base original, no caso do cristianismo o chamado "Cristianismo Primitivo", que a Teologia da Libertação de homens como Leonardo Boff tentaram readaptar para a realidade e miserabilidade da América Latina, mas que a intolerância romana, personificadas em João Paulo II e Bento XVI, impediram de seguir adiante em sua vocação essencial "viver com e pelos pobres". Ou algum pobre reúne condições de se casar numa Igreja cristã (o que ela compreende como um sacramento)? Pois é, muita hipocrisia.
Finalizando, encerro com mestre Nietzsche, em mais um trecho polêmico de sua filosofia do martelo, encontrada com riqueza e propriedade em "O Anticristo":
"O QUE É BOM? - TUDO AQUILO QUE DESPERTA NO HOMEM O SENTIMENTO DE PODER, A VONTADE DE PODER, O PRÓPRIO PODER.
O QUE É MAL? - TUDO O QUE NASCE DA FRAQUEZA.
O QUE É A FELICIDADE? - A SENSAÇÃO DE QUE O PODER CRESCE, DE QUE UMA RESISTÊNCIA FOI VENCIDA.
NENHUM CONTENTAMENTO, MAS MAIS PODER. NÃO A PAZ ACIMA DE TUDO, MAS A GUERRA. NÃO A VIRTUDE, MAS O VALOR.
QUANTO AOS FRACOS, AOS INCAPAZES, ESSES QUE PEREÇAM: PRIMEIRO PRINCÍPIO DA NOSSA CARIDADE. E HÁ MESMO QUE OS AJUDAR A DESAPARECER! O QUE É MAIS NOCIVO DO QUE TODOS OS VÍCIOS? - A COMPAIXÃO QUE SUPORTA A AÇÃO EM BENEFÍCIO DE TODOS OS FRACOS, DE TODOS OS INCAPAZES: O CRISTIANISMO."
Amigos e amigas, aproveitando o gancho do filme “Tropa de Elite” e do livro “Elite da Tropa” quero aqui despertar um debate, uma reflexão, em torno de um assunto muito delicado, quase tabu: a descriminalização das drogas.
O filme e o livro abordam pelo viés policial (BOPE – Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro) a guerra vivida diariamente em metrópoles brasileiras como o Rio de Janeiro. Guerra causada pela venda e consumo de drogas, pela organização do tráfico. As metrópoles brasileiras tornaram-se locus dos mais violentos do mundo, onde diariamente um número acentuado de vidas humanas são perdidas (em dados oficiais a soma da violência urbana no Brasil supera, em número de óbitos, as contagens encontradas em conflitos como o que hoje se desenvolve no Iraque ocupado pelas tropas norte-americanas).
O quadro que hoje assistimos é caótico: polícia mal equipada e mal paga, com altos índices de corrupção, o estabelecimento de poderes paralelos ao Estado brasileiro nas mais diversas favelas e áreas periféricas do país, entrada descontrolada de armas, miséria e subdesenvolvimento que obrigam crianças e adolescentes a trabalharem para o crime, crise de valores que fazem com que crianças e adolescentes consumam mais e novas drogas (desde o menino de rua que fuma crack na calçada, passando pelo jovem de classe média que fuma maconha na universidade, até os mais ricos que cheiram cocaína ou tomam ecstasy no meio de baladas, festas have, orgias, etc).
Combater o tráfico na base da porrada pode agradar muitos, inclusive legitimando o uso da tortura como método policial. Muitos ao assistirem o capitão Nascimento (personagem de Wagner Moura em Tropa de Elite) espancando traficantes, moradores de favelas, estudantes e usuários de drogas, o aplaudem como que se o personagem assumisse entre nós a figura de “paladino da justiça”, como aquele que desfere a nossa vingança sobre este mundo do crime que hoje nos incomoda e nos escraviza (afinal não estamos mais livres nem em nossas casas, que diria nos sinais de trânsito, nas ruas). Capitão Nascimento vai se tornando, para setores da sociedade brasileira (como Luciano Huck indignado após recente assalto sofrido no bairro do Jardins em São Paulo quando assaltantes em uma moto levaram-lhe o relógio Rolex de ouro) um herói, quando na verdade ele funciona como uma espécie de “detetizador”, como alguém que entra em nossas casas e elimina todas as baratas, formigas e demais insetos indesejáveis.
Capitão Nascimento é um funcionário a serviço da limpeza, da limpeza urbana, da limpeza social – ele entra na favela, como manda a filosofia do BOPE, e sua missão é simples: matar! (leia-se: limpar).
Porém, a sociedade se enganou numa coisa – a limpeza, na base da violência, utilizando os vários “Capitão Nascimento” de nossas organizações e instituições de segurança, não se mostra suficiente para combater, no âmago, a questão do tráfico de drogas. E para este problema, em meu entendimento, só há um solução, coincidentemente liberal por excelência: a descriminalização.
Por que existe tráfico? Por que ele é tão poderoso em armas e capital financeiro? Por que ele tem poder de influência? A resposta para estas perguntas é uma só: porque o tráfico, a condição de ilegalidade, proporciona tudo isso, todo este poder. O exemplo maior retiramos dos Estados Unidos no início do século passado quando sua sociedade puritana instituiu a chamada “Lei Seca”, proibindo a venda e o consumo de álcool em território norte-americano, resultado: a máfia de Al Capone e de outros chefões do crime, organizado em torno do tráfico de bebidas alcoólicas, que logo se somava a outros crimes como o jogo e a exploração sobre a prostituição. Al Capone e a máfia que se instalou na sociedade norte-americana são frutos do puritanismo besta que marca a cultura norte-americana.
Transpondo esta questão para a realidade brasileira a lógica é a mesma: proibir a venda e o consumo de cocaína, maconha, LSD, ecstasy, crack, etc, é ao mesmo tempo criar um mercado paralelo, proibitivo, portanto, mais lucrativo. Afinal, você pagará mais por algo que não encontra em qualquer esquina, assim já diz a lei simples da economia. Ao passo que quem lida com um mercado proibitivo, ilegal, terá que lutar contra as forças da legalidade, contra o Estado, e assim serão necessárias a compra de armas e outras estruturas de defesa. Logo, como atuam num mercado restrito e muito lucrativo conseguem adquirir suas armas com muita facilidade devido ao poder do dinheiro, e logo o mesmo poder do dinheiro comprará setores da sociedade, já que o dinheiro é instrumento eficaz quando o assunto é influência e corrupção. E assim uma simples proibição dá vida, dá energia, inicialmente a um mercado restrito e lucrativo, que em seguida se arma e se organiza para sobreviver enquanto ilegalidade (pois é mais lucrativa), e logo devido ao seu poderio econômico e até bélico está atuando na sociedade de forma a corrompê-la (a extorsão, a propina, a corrupção, a lavagem de dinheiro, o silêncio).
Como acabar com esta situação de caos, e com este ciclo de destruição, conflitos e mortes? Indo em direção ao âmago da questão: a proibição.
Com a descriminalização da droga não haverá mais tráfico. Todos poderão comprar, na farmácia mais próxima, em laboratórios, ou mesmo em padarias (cigarros de maconha, em maços como os ditos legais) a droga de sua preferência, alimentando o seu vício e assumindo, como indivíduo livre, a sua autodestruição (pois é fato que estas fazem mal a saúde e causam dependência físico/química/emocional como também o causam cigarros comuns, álcool, e alguns medicamentos). Com o mercado aberto os preços da droga cairão drasticamente, o que tirará delas a atração que hoje elas tem sobre os mais pobres e excluídos (ganhos rápidos e altos). Com a legalidade ninguém precisará comprar armas para defender o seu mercado lucrativo da ameaça do Estado e assim o tráfico de armas também se reduzirá. Menos armas, logo menos mortes.
Mas se é tão óbvio, por que não descriminalizam? Por dois fatores: um nosso, outro dos traficantes e de quem se beneficia do tráfico. O nosso diz respeito à hipocrisia e ao puritanismo da sociedade brasileira, que prefere ver seus filhos mortos nesta barbárie urbana do que assumir que faz uso e consome drogas. Consumir drogas faz mal? Sim, mas o corpo é uma posse individual, e temos o direito de destruí-lo se assim o entendermos, só não temos o direito de destruir o outro, os outros, e é isto o que o tráfico faz. Como coloca a teoria liberal mais clássica o Estado não tem o direito de me dizer o que eu devo consumir ou não consumir, o que eu devo pensar, como eu devo me vestir, me comportar. Quando nossos atos não atingem a liberdade dos outros, não destroem a coesão social, qualquer que seja a nossa ação ela é legítima.
Exemplo: quando eu chego em casa e tomo duas garrafas de uísque e caio embriagado na cama, isto é direito meu. Porém se eu vou ao supermercado, compro a bebida, tomo dirigindo e com meu veículo atropelo outras pessoas num ponto de ônibus ai sim estarei cometendo um delito, passível de punições e ai sim o Estado, como legítimo detentor da força e da violência, deve agir sobre a minha conduta.
Quando um jovem entra numa farmácia e compra 100 gramas de cocaína e em sua casa, numa festa, cheira o pó e tem alucinações, e nada mais que isto, como condená-lo a alguma coisa? Contudo se o mesmo após o consumo ou para continuar o consumo rouba um relógio, um tênis, este deve responder pelo seu crime (roubo) e não pelo fato de ser usuário de drogas. Com o uso individual da droga ele só causa danos a si mesmo, quando ele rouba para comprar drogas ele causa danos sociais, ai o Estado atua e lhe confere sua força e repressão de maneira legítima.
A outra razão é a mais simples: o traficante não quer perder a rentabilidade e o poderio conquistados pela existência deste mercado proibitivo, paralelo, e muito, muito lucrativo. Se amanhã todo mundo tem o produto que hoje eu vendo com certa exclusividade o negócio em certo se tornará menos atrativo, pois a concorrência e a legalidade abaixará os preços e diminuirá os meus lucros.
Portanto, amigos, amigas, cidadãos do Brasil, vos conclamo a um desafio: vamos legalizar as drogas, vamos dar um fim ao tráfico, e daí procuremos tratar nossos viciados como hoje os AA tratam de dependentes do álcool, com campanhas do Ministério da Saúde (oferecendo gratuitamente tratamentos de desintoxicação), e para aqueles que ainda assim, cientes dos perigos do consumo de drogas, insistem em usá-las não nos restará outra coisa senão respeitá-los e aceitá-los em suas decisões mesmo que estas lhe causem a morte brevemente, e estes só seriam responsabilizados ou mesmo punidos pelo Estado caso cometessem crimes comuns derivativos do uso e não condenados pelo uso pura e simplesmente. Chega de hipocrisia. Além das drogas, a hipocrisia mata!