sábado, 23 de janeiro de 2010

Textos Clássicos do Prof. Tiago Menta - O Coringa de Ledger - Anarquista?

Texto de 22 de julho de 2008



O CAOS ESTÁ NOS CINEMAS!
Fazia tempos que um filme, mesmo hollywoodiano, não provocava em mim dupla percepção: de aprendizagem, reflexão constantes, e ao mesmo tempo de ótimo entretenimento. Isto é "BATMAN - O CAVALEIRO DAS TREVAS" que estreiou nos cinemas mundiais no último dia 18 deste mês.
Mas, e de onde vem o "Caos" presente neste filme? Materializado na figura do Coringa, interpretado brilhantemente pelo já falecido ator Heath Ledger (vitimado por uma overdose de medicamentos em janeiro deste ano).

O CORINGA DE LEDGER - ALUSÃO AO PENSAMENTO ANARQUISTA
O Coringa não é um vilão como os outros, clássicos em filmes de heróis ou mesmo nas histórias em quadrinhos, e o próprio personagem afirma isto no filme "Não sou como vocês (...) sou algo melhor, diferente". Então, o que ele é?
Os vilões clássicos buscam dinheiro, poder, coisas materiais, típicas de um mundo mercantilizado como o atual. Eles roubam, sequestram, matam, em nome do poder e do dinheiro. Simples. O Coringa não - ele rouba, sequestra, mata, não pelo dinheiro, poder ou coisas materiais, ele simplesmente quer ver "o circo pegar fogo" e mais nada. Ele quer o caos, ele quer o descontrole, e ele se apresenta no filme como um agente deste descontrole.
Indício disto é a cena onde o Coringa coloca fogo numa pilha gigantesca de milhares e milhares de dólares, ou seja, ele desdenha da propriedade privada! Muitos diriam que ele é louco, afinal como diz a cultura popular "rasgar dinheiro" é manifestação própria de quem perdeu a consciência, mas para o Coringa não, ele não rasga dinheiro ou queima-o por loucura, não, ele age assim pois queimando milhares de dólares ele põe em xeque um pilar de nossa sociedade: a propriedade privada. Estamos habituados a ter a noção de propriedade como algo intocável, quase divino, sendo inclusive preceito básico de nossas leis (o direito à propriedade).
O fim da propriedade privada é um dos pilares de dois pensamentos políticos construídos ou fortificados no século 19: o Socialismo e o Anarquismo. Em ambos encontramos um outro pilar, de suma importância: o igualitarismo. Para o Coringa todos somos iguais, não há dúvida. Mas isso nao se traduz como no sentido do coletivismo, do humanismo, não, para o Coringa todos somos iguais na hipocrisia, na necessidade e busca pelo auto-controle e por algo que nos controle (como os governos, o Estado, as autoridades) porque em essência somos todos uns animais em completo descontrole, e ele, ao contrário das pessoas comuns ou mesmo "civilizadas" deixa este descontrole, natural, aflorar e se manifestar numa Gotham City que se torna prisioneira de si mesma, prisioneira em várias circunstâncias do verdadeiro caos.
Quando aqui me refiro ao "Caos" não é pura e simplesmente em termos de bagunça, não, falo em termos da origem etimológica grega (anarchos) de falta de governo, falta de autoridade. E é pela falta de governo e autoridade que Gotham City precisa de figuras como Batman (para manter o controle) ou apresenta figuras como Coringa (para gerar o descontrole).
Para questionar ou mesmo destruir as noções ou figuras de autoridade, o Coringa atua sobre a figura do eminente promotor público Harvey Dent, causando-lhe a perda de sua noiva - provocando-lhe uma transformação tão intensa que Harvey, de idealista e íntegro homem das leis (essência do controle), se torna um justiceiro cruel e incrédulo como "Duas-Caras", reforçando a descrença na justiça e a própria situação de caos, de falta de autoridade em Gotham City.
Mas o que quer o Coringa com tanta destruição e caos? Uma sociedade nova e mais livre, com certeza. Uma sociedade sem controle, sem autoridades, sem propriedades, onde todos viveríamos uma espécie de estado natural.
Em suma, percebe-se, a partir do personagem, toda uma influência da teoria anarquista na construção deste mesmo personagem e na própria caracterização do Batman e de outros heróis - ou seja, os heróis são em essência agentes do controle, mantenedores da ordem existente. Os heróis não podem gerar transformações, nunca. Os heróis são conservadores por excelência. Alguns vilões, como o Coringa, causam furor e muito estrago por simplesmente atuarem como agentes do descontrole e que possuem capacidade criativa, de geração de algo novo, de transformação.
De alguma forma Gotham City é nossa vida em sociedade, sombria e dura. Nossos governos e autoridades possuem limites, e quando elementos de destruição e descontrole, transformadores, como o Coringa aparecem logo a mesma sociedade produzirá seus heróis, conservadores, mantenedores do controle e da ordem como Batman.
Finalizando, uma certa vez afirmara Michail Alexandrovich Bakunin (1814-1876):

"A PAIXÃO PELA DESTRUIÇÃO É TAMBÉM UMA PAIXÃO CRIADORA"

Um comentário:

  1. O Coringa é o meu vilão favorito! Na verdade curto vilões! Coringa e Hannibal Lecter são os caras! Heróis curto Spawn e Justiceiro.

    Belíssima análise Prof. Tiago. O Coringa é um anarquista puro!

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