sábado, 23 de janeiro de 2010

Textos Clássicos do Prof. Tiago Menta - A Igreja de Constantino Vive, a Igreja de Jesus Morreu: sob a luz de Nietzsche


Texto de 3 de agosto de 2007

Amigos e amigas, o assunto tratado hoje será a religião. Pela primeira vez aqui em meu blog vamos abordar, criticamente (sempre), o cristianismo - fé por excelência de nosso mundo ocidental.
Não é sem razão que fora lançado um livro que promete ser polêmico "O Livro Negro do Cristianismo" dos autores Jacopo Fo, Sergio Tomat e Laura Ma (editora Ediouro, 272 páginas, R$ 32,90), dando continuidade a uma série de obras de intenso caráter crítico-analítico "O Livro Negro do Capitalismo", "O Livro Negro do Comunismo" e "O Livro Negro do Colonialismo".
Mas por que olhar a religião, seja o Cristianismo ou não, com um olhar crítico? Oras, esta deve ser a postura de todo cientista das humanidades e além, em estudos históricos e estatísticos sabe-se que a maior causa de derramamento de sangue em toda a história da humanidade é a religião. Assim, como não estudar, atentamente, as suas instituições, seus paradigmas, sua historicidade, sua base ética, sua atuação social e política?
Tratarei aqui do Cristianismo pela simples razão de ser a religião do mundo ocidental. Cristianismo que hoje se encontra dividido em muitas ramificações, desde as clássicas divisões entre católicos e ortodoxos, católicos e protestantes (luteranos e calvinistas), e hoje uma série de agremiações pentecostais, neo-pentecostais que aqui entre nós brasileiros costumamos denominar como "crentes" ou mesmo "evangélicos".
Pegando o gancho da obra "Livro Negro do Cristianismo" quero aqui iniciar profunda reflexão: mesmo com tantos crimes comprovados ao longo da história a fé cristã ainda é válida para o ser humano?
Respondo de maneira simples - sim, e sempre. E a razão é sociológica, ou seja, não há vida em sociedade possível com a inexistência da fé, da religiosidade. Isto devido ao seu caráter agregador, conciliador, e também intimidador - se o indivíduo não for ético, se não seguir com a ordem moral, irá pagar (no mundo espiritual) por sua desobediência, seja nas dores infernais ou durante o dia do juízo. Assim, com a religiosidade, como a cristã, os seres humanos criam laços sociais mais sólidos, amparados numa lógica metafísica de união e temor ao desconhecido.
A religião tem origem antropológica, relacionada a capacidade humana de produzir sonhos, ou imagens produzidas pelo cérebro enquanto estamos repousando o restante de nossa máquina corporal. Pois o sonho de alguma maneira era interpretado pelos homens mais primitivos como uma segunda realidade, criando assim a noção de mundo espiritual e da co-existência carne/espírito. Com a complexização do mundo humano esta crença no espírito e no mundo espiritual foi tomando formas institucionais, com regras, visão de mundo, moral, genealogia e cosmologia próprias, daí resultando no que conhecemos como Igrejas ou Religiões.
O problema da religião, segundo minha visão, é a base de seu discurso: a fé. Ter fé é negar a racionalidade, as relações causais, a própria natureza. Aquele que crê nada mais deve fazer diante de sua fé senão continuar crendo, sem provas ou manifestações concretas de sua crença - apesar que tentam demonstrar isto por meio de fenômenos conhecidos como milagres.
Nietzsche, filósofo alemão do século XIX, o maior e mais sagaz crítico que o Cristianismo conheceu, escrevia assim em trecho de "O Anticristo":

"SE A CRENÇA É O MAIS IMPORTANTE, TORNAR-SE-Á OBVIAMENTE IMPRESCINDÍVEL LANÇAR O DESCRÉDITO SOBRE A RAZÃO, O CONHECIMENTO, A PESQUISA: O CAMINHO DA VERDADE TORNA-SE UM CAMINHO PROIBIDO." NIETZSCHE.

Ou seja, o Cristianismo não consegue comportar dentro de si o conhecimento, pois este baterá de frente com a sua base ética, a fé. Conhecer, saber, através do uso da razão, é uma atividade perigosa, e a Igreja Cristã em sua história aponta isto - lembremos de Galileu pressionado a negar as suas certezas científicas para não levar o mesmo destino de Giordano Bruno, queimado pela "Santa" Inquisição Romana. A Igreja, em nome da fé, de sua fé, de sua visão de mundo, negava, peremptoriamente, que a Terra girava em torno do Sol! A mesma Igreja que ainda nega, com veemência, a teoria evolutiva de Charles Darwin. Assim o Cristianismo sobrevive na negação da verdade racional, e na afirmação da verdade via fé cega, surda e muda.

Em sua institucionalidade o Cristianismo adquiriu, a partir dos primeiros séculos depois da morte de seu Messias/Jesus, contornos romanos, imperiais. Graças ao imperador romano Constantino, que transformou uma fé romana em uma instituição romana. E como instituição romana agregou-se a sua fé o caráter imperial-administrativo, hierárquico e político. Hoje o Papa Bento XVI é o único rei absolutista do mundo pós-moderno, e o Vaticano ainda mantém seu caráter estatal (depois de acordo com Mussolini e o Tratado de Latrão, transformando o Vaticano em Estado soberano).
Não sou cristão, sou ateu. Mas uma coisa é certa, este cristianismo atual não é a pedra angular que Jesus construiu. A Igreja Católica e as Igrejas Cristãs Não-Católicas são filhas do Imperador Romano Constantino e não de seu messias fundador. Elas fazem política, elas são violentas (na ação e no discurso) e intolerantes (pouco dialogam entre si, formando e disputando um mercado de ovelhas desamparadas e desesperadas, e também não dialogam com a sociedade por entender que só ele mesma, Igreja, deve cuidar da conduta ético-moral das pessoas), elas derramaram e ainda derramam muito sangue.
Mas mesmo assim, ainda é válido, sociológicamente falando, manter a religião em sua posição de orientação e unidade social. Contudo, devemos ter a consciência de que o niilismo hoje vivido neste mundo pós-moderno não é sinônimo de um afastamento de Deus, mas um afastamento das Igrejas de sua base original, no caso do cristianismo o chamado "Cristianismo Primitivo", que a Teologia da Libertação de homens como Leonardo Boff tentaram readaptar para a realidade e miserabilidade da América Latina, mas que a intolerância romana, personificadas em João Paulo II e Bento XVI, impediram de seguir adiante em sua vocação essencial "viver com e pelos pobres". Ou algum pobre reúne condições de se casar numa Igreja cristã (o que ela compreende como um sacramento)? Pois é, muita hipocrisia.
Finalizando, encerro com mestre Nietzsche, em mais um trecho polêmico de sua filosofia do martelo, encontrada com riqueza e propriedade em "O Anticristo":

"O QUE É BOM? - TUDO AQUILO QUE DESPERTA NO HOMEM O SENTIMENTO DE PODER, A VONTADE DE PODER, O PRÓPRIO PODER.
O QUE É MAL? - TUDO O QUE NASCE DA FRAQUEZA.
O QUE É A FELICIDADE? - A SENSAÇÃO DE QUE O PODER CRESCE, DE QUE UMA RESISTÊNCIA FOI VENCIDA.
NENHUM CONTENTAMENTO, MAS MAIS PODER. NÃO A PAZ ACIMA DE TUDO, MAS A GUERRA. NÃO A VIRTUDE, MAS O VALOR.
QUANTO AOS FRACOS, AOS INCAPAZES, ESSES QUE PEREÇAM: PRIMEIRO PRINCÍPIO DA NOSSA CARIDADE. E HÁ MESMO QUE OS AJUDAR A DESAPARECER! O QUE É MAIS NOCIVO DO QUE TODOS OS VÍCIOS? - A COMPAIXÃO QUE SUPORTA A AÇÃO EM BENEFÍCIO DE TODOS OS FRACOS, DE TODOS OS INCAPAZES: O CRISTIANISMO."
FRIEDRICH NIETZSCHE

Um comentário:

  1. Parabéns pelo teu texto maravilhosamente esclarecedor...enquanto ficarmos parados, esperando as bênçãos caírem dos céus em nossas mãos, os 'espertinhos' (interesseiros, exploradores, 'poderosos', autoritários e utilizadores da má-fé) avançarão e tomarão conta do nosso 'território' particular, ou seja, de nossas mentes, de nosso "eu" e, se deixarmos até de nossos corpos (docilização), em nome de uma "ideologia" chamada "lavagem cerebral religiosa". Tudo o que foi dito faz parte de jogo da dominação política, as lutas têm e tiveram essa fachada, a de serem religiosas, mas sabemos que elas foram e serão sempre guerras imperialistas, a dominação pela força, tanto do sujeiro quanto da propriedade territorial. E assim....Beijos. Tânia

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