sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Vida em ordem: pra quê?

O caos é um momento "de vácuo" onde as pessoas são obrigadas a se entender e tomar decisões - visto que no caos há sempre uma semente de transformação, de criatividade urgente.
Se engana àquele que imagina existir uma "ordem" Universal das coisas, uma grande ordem reinante que a todos condiciona e dá movimento. As alienações clássicas, presentes no grosso da população, apontam para duas pretensas "ordens das coisas": o Capitalismo e Deus. Contudo, a compreensão correta do mundo aponta tanto o Capitalismo quanto Deus não como "ordem natural" mas como construções ideológicas de uma sociedade que a milênios encontra-se dividida em classes sociais (sob a égide da propriedade).
Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão, já compreendia a total ausência de ordens no Universo quando construía a sua concepção de "Vontade" como uma força existente no mundo, e que dá movimento ao mundo. E a "Vontade" não segue outra direção senão a de "si mesma" em total aleatoriedade, ou seja, dentro do caos! Daí o niilismo ou mesmo o negativismo da filosofia schopenhaueriana, que assume um perplexidade diante de um Universo totalmente caótico.

"A vontade é a substância íntima, o meio de toda coisa particular como do conjunto; ela se manifesta na força cega da natureza e encontra-se na conduta razoável do homem"
Arthur Schopenhauer - O Mundo como Vontade e Representação


Friedrich Nietzsche (1844-1900), também filósofo alemão e muito influenciado por Schopenhauer, dizia que para brilhar é preciso "ter dentro de si o Caos". E assim eu ainda não entendo este desejo humano, egoísta, de colocar ordem nas coisas, e a todo custo. Quanto mais ordem o ser humano tencionar impor a um mundo naturalmente caótico, maior será a sua frustração, o seu niilismo, amargor.
Estabelecer uma ordem, impor a vida uma ordem, é criar uma mentira para si mesmo, é dar vazão a uma condição de alienação de si em direção a um mundo projetado.
Vamos a um exemplo típico, e triste, disso: durante as madrugadas televisivas (em especial na tv aberta) pastores de todo o Brasil realizam programas ao vivo, atendendo as pessoas que estão sofrendo, ou "com problemas". Todas se apresentam com discursos semelhantes, em síntese que suas vidas estão uma completa desordem (falta de dinheiro, perda do emprego, traições, separações, uso de drogas, vícios, brigas familiares e doenças); o pastor imediatamente aponta os remédios: visita ao templo/orações/Bíblia/fé em Jesus (Deus), pois fazendo isso a vida de quem sofre sai de uma condição caótica para uma bonança, uma paz, conformada, estabilizada, em ordem.
Eu questiono: que é esta ordem? Emprego rentável e estável, vida sexual e afetiva monogâmica e com filhos, sorrisos e abraços, satisfação e sucesso, aquisição de bens de consumo duráveis (carro, casa, geladeira, etc). E tudo isso sob a benção das duas entidades ordenadoras: Deus e o Capitalismo.
Para dar nova ilustraçãoa esta "ordem" das coisas poderia usar as letras de duas músicas brasileiras, "Cotidiano" de Chico Buarque de Holanda e o contra-ponto "Você não Entende Nada" de Caetano Veloso:

COTIDIANO


Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode as 6 horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã


Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E estas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café


Todo dia eu só penso em poder parar
Meio-dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão


Seis da tarde, como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão


Toda noite ela diz pra eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta ao meu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor


VOCÊ NÃO ENTENDE NADA


Quando eu chego em casa nada me consola
Você está sempre aflita
Lágrimas nos olhos de cortar cebola
Você é tão bonita


Você traz a coca-cola, eu tomo!
Você bota a mesa, eu como!
Eu como! Eu como! Eu como! Você!


Não tá entendendo quase nada do que eu digo
Eu quero é ir-me embora
Eu quero dar o fora
E quero que você venha comigo!


Eu me sento, eu fumo, eu como, eu não aguento
Você está tão curtida
Eu quero tocar fogo nesse apartamento
Você não acredita?


Traz meu café com swing, eu tomo!
Bota a sobremesa, eu como!
Eu como! Eu como! Eu como! Você


Tem que saber que eu quero é correr mundo
Correr perigo
Eu quero é ir-me embora
Eu quero dar o fora
E quero que você venha comigo!


 


2 comentários:

  1. Realmente, a 'ordem' que importa para a nossa sociedade é aquela que vem do Deus capital...que a Igreja celebra tanto quanto o Deus entidade superior que irá resolver o caos. Só que o caos estabelece-se em função da desordem econômica, política, social e também espiritual. A desigualdade econômica gera caos e este é transferido para todas as instâncias de nossas vidas. Na outra ponta, está a Igreja, dizendo que o caos é por culpa nossa, nós é que não sabemos administrar a sua palavra. O caos está para o capitalismo como os interesses econômicos estão para as Igrejas. Falei e disse! Beijos

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  2. Desigualdade e Caos são coisas diversas, no meu modo de compreender.
    A desigualdade não é um movimento natural, no vácuo, como o Caos. A desigualdade é uma produção, ela faz parte da essência de uma sociedade dividida em classes sociais e ampara a ordem Capitalista (desigual por excelência). A desigualdade é elemento de ordem, ordenando as coisas segundo a mecânica do Capital, visto ser a desigualdade a sua engrenagem mais importante (por produzir uma massa de desvalidos, formando um exército de reserva, sempre garantindo os salários os mais baixos possíveis e a dominação de classe ad eternum).
    O Caos é um movimento da natureza, esta força aleatória, que nos move para a criação, que sempre terá como fruto a mudança, o germe do novo, as sínteses (numa vida real, dialeticamente real)!
    É o Caos que vai derrubar as peças, que vai obrigar o homem a refazer o jogo da vida, com novas regras, criando um novo eu, um novo nós, uma nova consciência.
    Obrigado pelos comentários, atenciosos.
    Prof. Tiago Menta

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