quinta-feira, 25 de março de 2010

Leonardo Boff - antítese do Catolicismo Imperialista

Genézio Darci Boff ou "Leonardo" Boff (14/12/1938) é um teólogo, escritor e professor universitário brasileiro, e um dos expoentes da chamada "Teologia da Libertação". Entrou na Ordem dos Franciscanos em 1959 e ordenou-se sacerdote em 1964.
Seus questionamentos a respeito da hierarquia da Igreja, expressos no livro Igreja, Carisma e Poder, renderam-lhe um processo junto à Congregação para a Doutrina da Fé (nome moderno para a nojenta Inquisição Católica) então sob a direção do hoje Papa Bento XVI (Joseph Ratzinger). Em 1985, foi condenado a um ano de "silêncio obsequioso" perdendo sua cátedra e suas funções editoriais no interior da Igreja Católica. Em 1986, recuperou algumas funções, mas sempre sob severa vigilância. Em 1992, ante nova ameaça de punição, desligou-se da Ordem Franciscana e pediu dispensa do sacerdócio.
Os que me conhecem sabe o tamanho de minhas divergências com o Catolicismo, "la putana de Roma", e suas instituições/estruturas milenares amparadas nas lógicas absolutista, autoritária, que já levaram a morte milhares de pessoas - em especial nos períodos do Movimento Cruzadista (guerra contra o Islã) e depois o da Contra-Reforma (guerra contra o Protestantismo). Além disso, o Catolicismo ainda reinante é marcado pela hipocrisia (quando tenta criar uma roupagem moderna, como no caso dos movimentos carismáticos) e por escândalos sexuais (com casos e mais casos de exploração sexual de fiéis, em especial jovens e crianças).
Afirmo isso em meio as palavras sobre Leonardo Boff e o texto abaixo do teólogo brasileiro "Pessimismo Capitalista e Darwinismo Social" para reafirmar a minha admiração por este grande humanista, um homem da Igreja, um homem de fé, um homem que antes de tudo ama o seu próximo e se preocupa, realmente, com a humanidade e com os rumos do planeta Terra (vide o Grito dos Excluídos, Grito da Terra); e por ironia, ou não, este franciscano por formação, portanto católico, digno de toda admiração, fora expurgado do seio institucional da Igreja justamente por não coadunar com as lógicas imperialistas e anti-humanistas de "la putana de Roma", e mais, as figuras que o repreenderam e o condenaram ao silêncio são os dois últimos Papas católicos: João Paulo II e Bento XVI (dois ícones do conservadorismo e da ortodoxia anacrônica).
Em suma, vale a pena ler Leonardo Boff, e isso quem está dizendo é um ateu convicto, porém como o próprio Boff compartilho, essencialmente, de seu humanismo e amor pela humanidade e pela vida.



Leonardo Boff
"Que fazer quando uma crise como a nossa se transforma em sistêmica, atingindo todas as áreas e mostra mais traços destrutivos que construtivos? É notório que o modelo social montado já nos primórdios da modernidade, assentado na magnificação do eu e em sua conquista do mundo em vista da acumulação privada de riqueza não pode mais ser levado avante. Apenas os deslumbrados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula, acreditam ainda neste projeto que é a racionalização do irracional. Hoje percebemos claramente que não podemos crescer indefinidamente porque a Terra não suporta mais nem há demanda suficiente. Este modelo não deu certo, pelas perversidades sociais e ambientais que produziu. Por isso, é intolerável que nos seja imposto como a única forma de produzir como ainda querem os membros do G-20 e do PAC.
A situação emerge mais grave ainda quando este sistema vem apontado como o principal causador da crise ambiental generalizada, culminando com o aquecimento global. A perpetuação deste paradigma de produção e de consumo pode, no limite, comprometer o futuro da biosfera e a existência da espécie humana sobre o planeta.
Como mudar de rumo? É tarefa complexíssima. Mas devemos começar. Antes de tudo, com a mudança de nosso olhar sobre a realidade, olhar este subjacente à atual sociedade de mercado: o pessimismo capitalista e o darwinismo social.
O pessimismo capitalista foi bem expresso pelo pai fundador da economia moderna Adam Smith (1723-1790), professor de ética em Glasgow. Observando a sociedade, dizia que ela é um conjunto de indivíduos egoístas, cada qual procurando para si o melhor. Pessimista, acreditava que esse dado é tão arraigado que não pode ser mudado. Só nos resta moderá-lo. A forma é criar o mercado no qual todos competem com seus produtos, equilibrando assim os impulsos egoístas.
O outro dado é o darwinismo social raso. Assume-se a tese de Darwin, hoje vastamente questionada, de que no processo da evolução das espécies sobrevive apenas o mais forte e o mais apto a adaptar-se. Por exemplo, no mercado, se diz, os fracos serão sempre engolidos pelos mais fortes. É bom que assim seja, dizem, senão a fluidez das trocas fica prejudicada.
Há que se entender corretamente a teoria de Smith. Ele não a tirou das nuvens. Viu-a na prática selvagem do capitalismo inglês nascente. O que ele fez, foi traduzi-la teoricamente no seu famoso livro: "Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações"(1776) e assim justificá-la. Havia, na época, um processo perverso de acumulação individual e de exploração desumana da mão de obra.
Hoje não é diferente. Repito os dados já conhecidos: os três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos superiores à toda riqueza de 48 países mais pobres onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza que 2,8 bilhões de pessoas o que equivale a 45% da humanidade; o resultado é que mais de um bilhão passa fome e 2,5 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza; no Brasil 5 mil famílias possuem 46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados se não expressar um aterrador egoísmo? Smith, preocupado com esta barbárie e como professor de ética, acreditava que o mercado, qual mão invisível, poderia controlar os egoísmos e garantir o bem estar de todos. Pura ilusão, sempre desmentida pelos fatos.
Smith falhou porque foi reducionista: ficou só no egoísmo. Este existe, mas pode ser limitado, por aquilo que ele omitiu: a cooperação, essencial ao ser humano. Este é fruto da cooperação de seu país e comparece como um nó-de-relações sociais. Somente sobrevive dentro de relações de reciprocidade que limitam o egoísmo. É verdade que egoísmo e altruísmo convivem. Mas se o altruísmo não prevalecer, surgem perversões como se nota nas sociedades modernas assentadas na inflação do "eu" e no enfraquecimento da cooperação. Esse egoísmo coletivo faz todos serem inimigos uns dos outros.
Mudar de rumo? Sim, na direção do "nós", da cooperação de todos com todos e na solidariedade universal e não do "eu" que exclui. Se tivermos altruísmo e compaixão não deixaremos que os fracos sejam vítimas da seleção natural. Interferiremos cuidando-os, criando-lhes condições para que vivam e continuem entre nós. Pois cada um é mais que um produtor e um consumidor. É único no universo, portador de uma mensagem a ser ouvida e é membro da grande família humana.
Isso não é uma questão apenas de política, mas de ética humanitária, feita de solidariedade e de compaixão."
[Autor de Princípio compaixão e cuidado, Vozes (2007)].
* Teólogo, filósofo e escritor

Um comentário:

  1. È alarmante constatar que cinco mil famílias possuem 46% da riqueza nacional.fico pensando:
    como pode ser isso?como pode as vitimas do sistema defende-lo com unhas e dentes?como podemos aceitar um sistema tão cruel e dizermos livres,democráticos e cristãos? não se encaixa,acredito ser impossível a coexistência da democracia e do cristianismo em um sistema assim.

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