QUANDO O SILÊNCIO É A MELHOR ALTERNATIVA
Não vi a
comentada entrevista da tal xuxa no Fantástico deste domingo, dia 20/05.
Mas não pude ignorá-la por muito tempo, pois a primeira notícia que
recebi nesta manhã, logo cedo, foi: "- Cê viu que a xuxa foi abusada na
infância?"
Fora o
surrealismo da revelação, ocorreu-me que aquela, certamente, não era a
notícia que desejava ouvir logo no início da semana. Afinal, como uma
mulher de 50 anos, aparentemente esclarecida, só agora, passado todo
esse tempo, resolve falar sobre algo tão grave? E por que me irritou
tanto esta informação? Parei para refletir sobre o motivo deste
sentimento e, confesso, não foi difícil descobrir.
Esta
senhora, lá pelos seus primórdios, vivia no mesmo condomínio do meu
irmão, no Grajaú, Rio de Janeiro. Lembro-me das minhas sobrinhas,
ensandecidas, indo buscar as grotescas sandalinhas cheias de brilhos no
apartamento dela, na esperança de encontrar o Pelé que, vira e mexe, dava as caras por lá.
Desde os
seus 20 e poucos anos de idade, ela comanda programas infantis cuja
tônica é erotizar precocemente as crianças, transformando meninas em
arremedos de mulheres sem se preocupar com sua vulgarização.
Os programas
que comandou sempre tiveram como mote atropelar o desenvolvimento
infantil em sua exuberância repleta de etapas simbólicas.
Pasteurizou os
encantos desta fase empenhando-se em exaltar a diferença entre possuir e
não possuir os produtos que anunciava ou que levavam sua grife tais
como sandálias, roupas, maiôs, lingeries, xampus, bonecas,
chicletes,
cosméticos, álbum de figurinhas, cadernos, agendas, computadores, sopas,
iogurtes, etc., num universo insano onde ela, eternamente fantasiada de
insinuante ninfeta, faz biquinho e comanda a miúda plebe ignara.
Cientes
estamos todos de que esta senhora, durante muitos e muitos anos,
defendeu zelosamente seu polpudo patrimônio utilizando-se da fachada de
menina meio abobada que sequer sabia quantos milhões possuía. Costumava
dizer que era a sua empresária que administrava suas posses cujo
montante alegava, candidamente, desconhecer. Pobre menina rica. E burra,
com certeza. Como se fosse possível alguém tão tapada tornar-se tão
rica.
Talvez para
esconder a consciência que tinha acerca do quanto ajudou a devastar a
inocência de tantas gerações de meninas que lhe devotavam a mais pura
idolatria, posou de inocente útil usando a mesma máscara que agora
reedita para falar, emocionada, do seu mais novo pretenso
drama/marketing.
Esqueceu-se
que sua audiência, formada, na sua massacrante maioria, por meninas,
passou a ser considerada como alvo da desumana propaganda colocando-as
como mero veículo de consumo.
Esqueceu-se,
convenientemente, de comentar que milhares de garotas pelo Brasil afora
foram abusadas sexualmente ao mesmo tempo em que eram, por ela,
adestradas a vestirem-se e comportarem-se como verdadeiras lolitas.
Esqueceu-se
de que ensinou atitudes claramente ambivalentes para crianças que não
faziam a mais pálida ideia do que podiam mobilizar em mentes doentias.
Esqueceu-se
de que a erotização tem sido ligada a três dos maiores problemas de
saúde mental de adolescentes e mulheres adultas: desordens alimentares,
baixa autoestima e depressão.
Esqueceu-se
também que as crianças, diariamente bombardeadas com imagens de paquitas
como modelos de uma beleza simplesmente inalcançável enquanto corpos
reais, torturavam-se perseguindo um modo de serem belas, perfeitas,
saudáveis e eternas.
Estimulando a
sexualidade de forma tão precoce, essas meninas perderam grande e
preciosa fase do seu desenvolvimento natural. E reduzir o período da
inocência, certamente, acarretou-lhes desdobramentos nefastos.
Daí para
ideia, cada vez mais presente, da infância como objeto a ser apreciado,
desejado, exaltado, numa espécie de pedofilização generalizada na
sociedade foi, apenas, um pequeno passo.
Num país
onde as mães deixam suas crias, por absoluta falta de opção, frente à
tevê sem qualquer tipo de controle e sem condições para discutir o
conteúdo apresentado, encontrou esta senhora terreno mais que propício
para disseminar sua perversa e desmedida ganância por audiência e
dinheiro.
Fosse ela
uma pessoa minimamente preocupada com a direção que a sexualidade
exacerbada e fora de contexto toma, neste país onde mulheres são
cotidianamente massacradas, teria falado sobre este suposto drama muito
tempo atrás. Teria tido muito mais cuidado com os exemplos de exposição
que passava. Teria norteado seu trabalho dentro de parâmetros muito mais
educativos e, desta forma, contribuído para que milhares de meninas
fossem verdadeiramente cuidadas e respeitadas.
Ou teria simplesmente virado as costas e ido embora.
Logo, frente
ao seu histórico, não tem mesmo nenhuma autoridade para sustentar
qualquer atitude fundamentada em belos e necessários méritos.
Porque são de grandes valores, bons princípios e atitude exemplares que nossa sociedade necessita de maneira URGENTE.
Portanto, CALE-SE, XUXA!
Heloisa Lima
Psicóloga Clínica - Maio de 2012.