sábado, 18 de janeiro de 2014

Reflexões sobre "o pão"

Nos livros do Evangelho há um momento clímax, limítrofe, onde Jesus, filho do homem, encontra-se faminto e no meio do deserto (em tese, no mais completo desespero) e pior, vê-se tentado, pessoalmente, pelo próprio diabo.
O anjo do mal busca desviar Jesus de sua missão salvífica com três argumentos ardilosos, e que exemplificam muitos dos nossos erros, problemas: sobrevivência, poder e arrogância. Em momentos onde a nossa vida é posta em xeque, nosso conforto e prazer são ameaçados, o demônio rapidamente vem oferecer o "ganho" fácil, dócil. Vejamos o que escreve Lucas
"Disse-lhe, então, o diabo: Se és o Filho de Deus, manda que esta pedra se transforme em pão."
O diabo oferece o meio fácil, ou como aponta a concepção bíblica "o caminho largo". A ideia é que Jesus tinha o poder de se livrar daquele fardo, de se aliviar, dai o demônio provocando-o a pensar de forma individualista. E amigos, é no individualismo que mora uma das maiores forças do inimigo de Deus. Assim, a mentira é o método diabólico por excelência, mas o individualismo, essa é a rede de pesca antitética. Cristo pesca homens para a sua salvação, e Lúcifer pesca homens para a sua perdição. E o tecido da rede da perdição é formado pelo nosso individualismo.
Cristo oferece ao demônio uma resposta profunda e fulminante, e escreve Lucas
"Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem."
Confesso que quando li essa passagem me sobreveio a mente um caminhão de ideias, teorizações, em especial marxistas que advogam o contrário do que convém a Deus e seus ensinos. Segundo Karl Marx e um sem fim de pensadores modernos é somente de pão que vive o homem. Como que sem o pão, estaríamos condenados, e que a vida humana e a história poderiam ser entendidas-simplificada pela disputa do pão. Quando Cristo aponta exatamente o contrário!
O discípulo Mateus reforça escrevendo
"Jesus, porém, respondeu: Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus."
O pão é importante, claro. Mas não é o fundamento do ser humano. Na concepção de Deus não há uma infraestrutura que condiciona o agir do homem. O homo economicus é apenas um aspecto do andar humano numa terra marcada por descaminhos e pecados, profeticamente condenada a ser destruída e purificada por novos céus e terra, vide por exemplo o que escrevera Isaías
"Pois eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória delas."
Então, o que resta ao ser humano? Confiar e dar atenção as palavras que procedem da boca de Deus, este sim é o verdadeiro fundamento do homem porque fazendo isto garantimos a conquista da maior promessa de Deus e reafirmada na vida-morte de Jesus: a vida eterna. Ao diabo interessa que nos apequenemos em preocupações com ter ou não o pão, conquistá-lo ou não, pescando-nos em nossa natureza caída e individualista. O exemplo de Cristo é que em primeiro lugar, sempre, devemos pensar em conquistar a vida eterna, e certamente ao fazer isso o pão, que faz parte da nossa caminhada, nunca nos faltará.

Notas:
Bíblia Sagrada - Almeida revista e atualizada.
Livros de:
Isaías 65: 17.
Mateus 4: 4.
Lucas 4: 3-4.  

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O rolezinho como culto

Não, eu não vou demonizar os jovens que se organizam no dito "rolezinho", muito menos torná-los anjinhos barrocos desfilando em centros de compras - me nego a politizar o que está ocorrendo.
O Brasil que vivemos mais parece os anos 60, como vocifera o músico João Luis "Lobão", e tudo agora é visto na base do "8 - 80", "direita - esquerda", simplificando os fenômenos sociais através de uma leitura neurótica da luta de classes e de conceitos marxianos, em especial. Me perdoe, mas não vivemos a Guerra Fria.

O que é o "rolezinho" então?
Um fenômeno de mídia, que foi completamente absorvido por parcelas até então excluídas do tecido social. A meninada da periferia compreendeu que pode utilizar-se das redes sociais como ferramenta de organização, não política ou engajada nisso ou aquilo, mas como ferramenta de mobilização para o culto semanal ao "seu grande deus": o consumo.
Trabalho com adolescentes, jovens, grande parte próximos de comunidades carentes e excluídas, e sei o fetiche que está amalgamado em suas mentes, tomadas pelo "ter", pelo aparente. O jovem quer aparecer, quer ser percebido. Quando o garoto, de visual grotesco até, liga o funk dentro do ônibus pra todo mundo ouvir é algo mais complexo do que "falta de educação", é dizer, melancolicamente "ei vocês, aqui, sou eu, eu existo, olhem pra mim...."...ou seja, há carência fundamentada na sua atitude de desafiar o bom gosto, o bom senso.

Hoje grande parte dos jovens de nosso país, independente de classe social, é essencialmente consumista. Grande parcela dos endividamentos pessoais em nossa economia advém de pessoas mais jovens, em especial as meninas. Gasta-se todo o salário mínimo mensal (comum entre aqueles que estão começando no mercado de trabalho) em tênis, bonés, roupas, joias, relógios, celulares, eletrônicos, etc. Seus ídolos, arraigados na sociedade do espetáculo, são muitas vezes jovens negros que hoje desfilam todo este ideário de felicidade-Capital (Neymar, Ronaldinho Gaúcho, rappers e funkeiros, pagodeiros, etc).

Assim, utilizando-se das redes sociais e das facilidades da virtualidade, eles se mobilizam, semanalmente, para cultuarem, juntos, o deus-dinheiro. E qual o melhor lugar, o verdadeiro templo, do deus-dinheiro: shopping centers. Então, 200, 300, 2.000 meninos e meninas, andam por entre brilhantes corredores, vislumbram e adoram todos os objetos de seus desejos, e excitados pelo momento, pela idade, abrem espaço para possíveis e mais viáveis conquistas (dai o ficar, paqueras, etc). Acredito que tudo isto poderia, e deveria ser melhor digerido pela sociedade brasileira, o problema é o que estamos vivendo: politização extremada entre setores da sociedade, que buscam a seu modo conquistar a classe média (a eterna insatisfeita, com medo da pobreza e com inveja dos ricos).

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Está chegando a "festa da carne" patrocinada pelo Capital e por Satã

Eu não gosto do Carnaval. Respeito aos que pensam contrário e buscam satisfação nesta festividade (muitos dos meus melhores amigos sempre curtiram o evento, e eu mesmo quando mais jovem tive a oportunidade de participar de alguns), mas eu não gosto.
O Carnaval é a dita "festa da carne", sintonizando cristianismo e paganismo desde a época medieval, e representaria um grande "desbunde", marcado por inversões e excessos, após uma série de momentos de introspecção religiosa de natureza católica (Natal, Quaresma, por exemplos). Ou seja, depois de uns tempos em meditação, reflexão, renúncias, eis que chega o momento de desforra, dando vasão a muitas coisas que nosso superego tende a algemar no inconsciente! E ai, bom, o homem veste de mulher e rebola na rua, sacaram...o lixeiro que é humilhado semanalmente veste a luxuosa roupa, brilhante, de príncipe árabe, rei disso ou daquilo....a cantineira da escola vira "rainha da bateria", e vamos invertendo a realidade pelo menos por um momento!
A minha formação cultural, política, filosófica e agora religiosa insistem em me manter com os dois pés no chão, em suma eu não tolero sair da realidade a este ponto que o Carnaval propõe. Me recuso a fechar os olhos para as dores do mundo, e fingir que vamos muito bem...
Outros fatores também me afastam do Carnaval, em especial o modelo de festividade que se vende a algumas décadas: menos popular, mais show bizz! O Carnaval sai das ruas, e se estrutura em torno de uma indústria do entretenimento (escolas de samba, grupos musicais, clubes, boates, desfiles, micaretas, etc)
Hoje o Carnaval é um apêndice da indústria do álcool, da música, do sexo. Nada mais carnavalesco que um jovem travestido com uma camiseta "vip", embriagado, em busca de momentos de prazer líquido, instantâneo (como tão bem exemplifica os textos do sociólogo polonês Zigmunt Bauman), com qualquer mulher que cruzar o seu olhar. Oh...quanto vazio existencial se esconde em cada sorriso.
Nas televisões, no Sambódromo, mulheres desfilam seus corpos, trabalhados pela ciência que produz ilusões, vendendo-se como séculos atrás ocorriam nas feiras de escravos. Quem dá mais? Que seios, coxas, pernas, bundas, quanto custam? E a indústria do entretenimento, mais pueril e rasteiro, gargalha de mãos dadas com Satanás (em termos espirituais ainda há dúvidas da origem de tudo isso?).
Sinceramente, durante mais um Carnaval, e no Brasil, eu tenho muitas outras coisas com que me preocupar e ocupar minha mente e atenções. Porém, nunca é demais propor as pessoas, de mente aberta e dispostas a se libertar, que repensem e reflitam sobre os sentidos, intrínsecos e extrínsecos relativos a festa da carne.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Sobre libertação jurídica e libertação étnico-racial

No texto sobre o filme "Lincoln" acredito que ficou no ar, para alguns, o que vem a ser "libertação jurídica" dos negros, contrariamente a uma esperada libertação étnica ou racial.
Liberdade jurídica, no contexto da aprovação da 13º Emenda Constitucional estadunidense, é considerar a população negra liberta de qualquer forma de trabalho escravo ou servil: uma tradição sulista e que era desejo dos ditos Confederados levá-lo aos confins do oeste americano (o que alguns historiadores chamam de imperialismo do algodão). Com a aprovação da emenda, sob batuta de Lincoln e os "radicais" do Partido Republicano (sim, como imaginar isso quando nos tempos atuais vislumbramos a família Bush, o grupo tea party, comandando o partido que já tivera entre os seus George Washington e o próprio Abraham) os negros deixavam de ser considerados propriedade, legitimando-os como seres humanos, porém sem os mesmos atributos sociais, políticos, econômicos dos americanos brancos.
Seja no norte medioclassista e industrial, seja no agrícola e violento sul dos Confederados, ambos consideram o negro "um homem à parte", indigno, por exemplo, de votar ou mesmo ser eleito para ocupar cargos públicos (algo que acontecia, de maneira semelhante, com as mulheres).
Lincoln libertou os negros do trabalho escravo, e estes estavam livres para permanecerem em situação desfavorável na sociedade americana, dai a continuidade nefasta de uma política racial de segregação - que irá de maneira angustiante marcar a vida estadunidense ao longo do século seguinte (vide as lutas de Martin Luther King, Malcolm X, a organização dos Black Panters, a violência da KKK, etc).
A eleição e reeleição, históricas, de Barack Husein Obama promoveram a libertação real dos negros dos Estados Unidos? Creio que não, pois os índices sociais e econômicos, quando comparamos brancos e negros, seja nos EUA ou no nosso Brasil, ainda apontam para uma discrepância enorme, unindo desigualdades classistas e raciais.





terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Abraham Lincoln, corrupção e libertação jurídica dos negros

Nesta virada de ano consegui um tempo para assistir ao bom filme-político "Lincoln", dirigido pelo consagrado Steven Spielberg, onde o presidente estadunidense é representado pelo genial Daniel Day-Lewis.
Centralizando as atenções é representada toda a politicagem em torno da aprovação ou não-aprovação da 13º Emenda Constitucional que colocava na ilegalidade o trabalho servil-escravo em todo o país, sob os interesses do 16º Presidente (republicano) Abraham Lincoln (1809-1865) - já em início de segundo mandato e líder nortista em meio a guerra civil ou "Secessão" (1861-1865).
Até então pouca novidade, e o interessante desta película faz-se pelo seguinte:
A desmitologização de Lincoln, apresentado como um marido ausente *, infeliz em seu casamento (casado com Mary Todd), e também um político mais pragmático do que idealista (ele arquiteta na Câmara dos Deputados um verdadeiro xadrez movido pelo velho toma lá dá cá ** institucional, negociando cargos no novo governo em troca dos votos favoráveis de parte da bancada democrata).
A colagem um pouco forçada para a contemporaneidade do governo democrata de Barack Husein Obama, interligando a luta pela liberdade jurídica (não racial ou etnica) dos antes escravos negros para os tempos de hoje, onde um "negro" governa a superpotência global. Vale o texto de Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Morais que afirmam:
"Mesmo se constituindo como dois mundos bastante diferentes, um, ao Norte, e o outro, ao Sul, a ideia da superioridade do homem branco era comum e inquestionável em ambos. Nos dois mundos, os negros estavam fora das decisões políticas e eram vítimas de preconceito, principalmente no Sul, onde a escravidão era garantida por lei." História dos Estados Unidos - das origens ao século XXI. ed. Contexto, p. 129

Notas:
*A ausência de Abraham pode ser entendida seja devido a sua posição política ou até mesmo por problemas de relacionamento com a esposa mais velha, evidenciados na perda de um dos filhos, em que ela acusa o marido de negligência com a doença e morte do menino - com o pai tomado pelas questões da guerra civil. Lincoln chega a cogitar interná-la em uma clínica de repouso/psiquiátrica.
** O uso de cargos na administração pública, garantia de boa posição e salários, como troca por apoio político em importantes debates nacionais faz-nos rememorar, espontaneamente, a "realpolitik" brasileira de posse do lulopetismo.
A mitologia democrática construída em torno de Abraham Lincoln, monumentalizada em Washington DC, parece-nos incompatível com o jogo sujo da política institucional apresentado na película. Na obra de Spielberg Lincoln sai da auréola de mito e veste a cartola preta de homem pragmático e calculista.