terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Construindo um Mundo sem Governos - Texto 2

Texto 2
Na obra Deus e o Estado o filósofo russo Bakunin afirma:

“Jeová (...) foi certamente o mais ciumento, o mais vaidoso, o mais feroz, o mais injusto, o mais sanguinário, o mais despótico e o maior inimigo da dignidade e da liberdade humanas, Jeová acabava de criar Adão e Eva, não se sabe por qual capricho, talvez para ter novos escravos.”
BAKUNIN, Mikhail.

O trecho em questão reafirma um dos componentes básicos do que chamo de “2d” - a ideologia Teísta enquanto inimiga da liberdade humana, sendo esta transformada de cultura dos povos em senhora dos povos – pelas vias, especialmente, da institucionalização destas crenças religiosas.

O Teísmo não é pura e simplesmente crença, credo. É institucionalização do mesmo, fenômeno histórico de transmutação do “eu acredito em” para “eu mando você acreditar em”, sintetizando é a crença tornada Igreja (no sentido sociológico do termo, como instituição social).

Crer em algo, por si só, é um mecanismo biológico humano (até da recusa cerebral da morte, pois nós Homo sapiens sapiens somos os únicos animais dotados de consciência de finitude, de que um dia vamos morrer, e o corpo responde a isto de maneira negativa, criando mecanismos psíquicos como paliativos desta certeza cruel). Não há malefício algum nisto. O problema foi institucionalizar. Fazer das crenças, das esperanças humanas num porvir metafísico, um sistema de dominação, ou seja, criando Igrejas.

Para os menos familiarizados com a Sociologia uma instituição para ser entendida como tal necessita: uma organização, uma hierarquia, um código de regras e de conduta (jurisdição). Da mesma forma que o Estado, a Igreja criou-se sob a mesma pedra angular da dominação, do uso da força física e ideológica. Logo Estado e Igreja são mais semelhantes do que se imagina, começando pelo caráter institucional. Ingênuo aquele que entende que vivemos um período de laicidade, de separação clara entre Estado e Igreja, visto que hoje eles apresentam uma complexidade tal que conseguem passar esta imagem para o grosso da população, mas nas estruturas, nos seus objetivos diante das massas, ai sim, começamos a ver que não são muito diferentes não.

Bakunin fala em Jeová (Deus dos hebreus, depois abraçado pelos cristãos como Pai na Santíssima Trindade), e quem conhece a Bíblia (incluso o Novo Testamento) ou a Tora (o chamado Velho Testamento) conhece uma série de narrativas aonde o Criador fomenta uma série de violências contra a humanidade, sem propósito algum senão reafirmar-se, a cada momento, como único e verdadeiro Senhor de todos nós (quase como um senhor de engenho carente de estima, e vingativo). Quer exemplos, ok. Abraão, patriarca das três maiores religiões monoteístas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo), fora compelido por Jeová a provar a sua fé, tendo como missão sacrificar seu próprio filho, e obviamente, para não “pegar muito pesado”, Jeová vendo Abraão levando a cabo o pedido de fratricídio acaba por impedi-lo momentos antes do derradeiro assassinato. Usando a razão, você diria o quê deste que responde por Jeová? No mínimo que seria um maluco, um irresponsável, um sádico (adjetivos que não combinam com a idéia de um Criador, no mínimo, razoável ou mesmo concebível, muito menos segundo a ética do amor difundida pelos cristãos).
Este mesmo Jeová que estripara o homem para criar a mulher, que cria o homem e a mulher, mas, lhes negam o conhecimento, ou seja, desde o início Jeová quer nos dizer: sejam ignorantes! E pior, quando Adão e Eva, imbuídos daquilo que os seres humanos têm de melhor, a curiosidade, a vontade de conhecer, aprender, comem do fruto da árvore do conhecimento são imediatamente castigados e expulsos do Paraíso.

Como se já não bastasse o que dissera em texto anterior, utilizando a expressão “Deus ajuda quem cedo madruga”, ainda por cima este mesmo Deus impõe que sejamos todos ignorantes. E daí a razão da frase de Bakunin, quando diz que Deus quer “ter novos escravos”. Pois qual elemento social trabalha como uma mula e ainda por cima é desprovido do menor conhecimento, e que quando ousa rebelar-se acaba por levar duros castigos? Então, para Jeová, para Deus (de maneira geral das três grandes religiões monoteístas, lembrando que entre os muçulmanos a divindade adquire novos contornos, novo nome, Alá, mas não foge da mesma lógica de dominação e privação das liberdades humanas, talvez de maneira até mais evidente e violenta por agregar numa única instituição dois monstros sedentos por sangue – Igreja e Estado/ Teocracias) devemos ser escravos.

É evidente que as Igrejas, sabedoras desta histórica falácia, tentam criar subterfúgios quando constroem noções de “livre-arbítrio”. Que nós somos criados por este Deus magnânimo, bondoso, e que as razões para todos os nossos malefícios estariam em nós mesmos, que voluntariamente estaríamos cada vez mais distantes de Deus. Em resumo – que somos livres para seguir o próprio caminho. Mentira! Se fossemos livres, realmente livres, as crianças teriam liberdade de escolha religiosa (sendo a crença algo pessoal em seu estado natural, não algo social em seu estado institucional), mas não, o que ocorre? A criança mal dá seus primeiros passos e já fora batizada (especialmente comum entre os católicos) e depois é sociabilizada de maneira a ter que aderir sob ameaça de castigo dos pais e demais membros da família aquela ética ou instituição religiosa. Logo, livre-arbítrio, que bobagem é essa!

Não é sem razão que o mesmo filósofo russo usa como antítese a figura de Satanás ou Lúcifer, tido como o primeiro que ousara desafiar a tirania de Jeová:

“Satã, o eterno revoltado, o primeiro livre-pensador e o emancipador dos mundos! Ele faz o homem se envergonhar de sua ignorância e de sua obediência bestiais; ele o emancipa, imprime em sua fronte a marca da liberdade e da humanidade, levando-o a desobedecer e a provar do fruto da Ciência.”
BAKUNIN, Mikhail.

E assim, em termos revolucionários, dentro da busca e valorização de uma sociedade amparada na razão e nas liberdades, dentro de um ideário verdadeiramente anarquista, talvez o único personagem bíblico digno de admiração não seja Jesus, nem Abraão, nem Moisés, muito menos Jeová, mas Lúcifer! E por ironia representado culturalmente com as cores vermelha e negra, as mesmas de nosso ideal.


CONTINUA...

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